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Revisão do julgado

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Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 15:51 Cabe ação rescisória quando decisão contraria STF A coisa julgada não é um valor absoluto. Admite-se rescisão quando a sentença transitada em julgado tenha violado interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal, mesmo que a interpretação seja posterior ao julgado. Com este entendimento, os ministros do Supremo rejeitaram, por unanimidade, Embargos Declaratórios em Recurso Extraordinário que permitiam a análise de ação rescisória.Os embargos foram opostos por Maria Auxiliadora contra acórdão do STF, que afastou a aplicação da Súmula 343. A jurisprudência diz: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.Com a decisão, o Supremo determinou que o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região aprecie ação rescisória ajuizada pelo INSS contra uma decisão transitada em julgado daquela corte trabalhista. A discussão é sobre suposta violação ao direito adquirido, referente a reajustes decorrentes dos planos Bresser e Verão.O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, reafirmou sua posição de que realmente não se aplica, neste caso, o enunciado da Súmula 343 do STF. Isso porque, disse o ministro, existe na matéria controvérsia sobre interpretação constitucional do Supremo. “Se ao STF cabe guardar a Constituição, sua interpretação da Constituição Federal deve ser acompanhada pelos demais tribunais”, frisou Gilmar Mendes.Nas hipóteses em que o STF fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, ajustando seu texto à ordem constitucional, o ministro disse acreditar que cabe ação rescisória sempre que uma decisão, mesmo que definitiva e irrecorrível, contrariar essa interpretação do Supremo, ainda que a interpretação da corte seja definida em momento posterior à sentença transitada em julgado. Gilmar Mendes ressaltou, contudo, que devem continuar sendo observado o prazo — que é de dois anos, a partir da decisão definitiva — para a interposição da ação rescisória, como forma de garantir a segurança jurídica.O ministro ressaltou que essa posição não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas infraconstitucionais. “Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo STF em questão constitucional.”Gilmar Mendes enfatizou não considerar admissível que a manutenção de decisões divergentes da interpretação constitucional do STF diminua a eficácia das decisões da mais alta corte do país.“Considera-se a melhor interpretação, para efeitos institucionais, a que provém do Supremo, guardião da Constituição, razão pela qual sujeitam-se à ação rescisória, independentemente da existência de controvérsia sobre a matéria nos tribunais, as sentenças contrárias a precedentes do STF, sejam eles [precedentes] anteriores ou posteriores ao julgado rescindendo.”Todos os ministros presentes à sessão acompanharam o voto do relator. O ministro Menezes Direito disse entender que, se em determinado tema houver evolução da jurisprudência constitucional do STF, nada é mais certo do que admitir a ação rescisória.Já o decano da corte, ministro Celso de Mello, também acompanhando o relator, ressaltou que o voto do ministro Gilmar Mendes fortalece o papel do Supremo, “e confere meio instrumental expressivo destinado a implementar a autoridade de suas próprias decisões e tornar efetivos e reais o primado e a força normativa da Constituição”.O ministro Cezar Peluso salientou que a Súmula 343, que não permite a admissão de ação rescisória em situações de interpretação controvertida de leis infraconstitucionais, poderia até mesmo ser cancelada. “Não pode existir na sociedade interpretações disformes da mesma norma”, explicou.Veja o voto04/11/2003 SEGUNDA TURMAEMB.DECL.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 328.812-1 AMAZONASRELATOR: MIN. GILMAR MENDESEMBARGANTE(S): MARIA AUXILIADORA SANTOS CABRAL DOS ANJOSADVOGADO(A/S): JOSÉ TÔRRES DAS NEVES E OUTRO(A/S)EMBARGADO(A/S): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSSADVOGADO(A/S): JOSÉ MARIA RICARDOR E L A T Ó R I OO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): Cuida-se de embargos de declaração opostos contra acórdão da 2ª Turma que, por unanimidade, decidiu ser inaplicável à hipótese a Súmula 343 do STF, por se tratar de matéria constitucional.Este o teor da ementa:“EMENTA: Recurso Extraordinário. Agravo Regimental. 2. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343. 3. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação constitucional revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 4. Ação Rescisória fundamentada no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. A indicação expressa do dispositivo constitucional é de todo dispensável, diante da clara invocação do princípio constitucional do direito adquirido. 5. Agravo regimental provido. Recurso extraordinário conhecido e provido para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.” (fl. 167).Em suas razões, a embargante sustenta:“2.4. A questão central, de cunho meramente processual, é apenas esta: está ou não o autor da rescisória obrigado a indicar com precisão, o dispositivo dado como violado, quando a ação tem suporte no art. 485, V, do CPC. Seja positiva ou negativa a resposta, não resta dúvida de que nenhuma delas envolve violação direta de qualquer texto da Constituição da República Federativa do Brasil.(…)2.5. Este processo não revela qualquer singularidade capaz de ensejar a quebra repentina da jurisprudência consolidada do Pretório Excelso a respeito da impossibilidade do recurso extraordinário para rediscutir questões infraconstitucionais, como é, inegavelmente, a relativa aos requisitos formais da inicial da ação rescisória, especialíssimas, que não se confunde com qualquer reclamatória trabalhista ou ação ordinária.Ante o exposto, a Embargante espera o recebimento dos seus declaratórios, com a eficácia modificativa do julgado, ex vi do art. 330 do Regimento Interno do Pretório Excelso, a fim de: a) seja analisado o acórdão recorrido, partindo-se da premissa de que nele não se adotou a tese da impossibilidade da rescisória, por ser controvertida a matéria constitucional nele versada, mas a da existência de controvérsia sobre a indicação, na inicial, como violado o artigo 5º, XXXVI, da Lei Magna. Como conseqüência necessária não se conhecer do apelo extremo; b) ou, se mantido o conhecimento do recurso, declinar-se qual foi o dispositivo constitucional violado diretamente pela decisão do TST, quando entende deficitária a inicial da ação rescisória, com arrimo no artigo 485, V, do CPC, pela ausência de indicação expressa do dispositivo constitucional violado.” (fls. 177/180).Em razão do pedido de efeitos modificativos, determinei a vista ao embargado, que se manifestou, nos seguintes termos:“Preliminarmente, destaque-se a intempestividade do recurso de embargos: publicado o acórdão do agravo regimental em 11 de abril de 2003 (sexta-feira – fls. 172), o prazo findaria em 18 do mesmo mês e ano (sexta-feira).Como os embargos foram opostos em 22 de abril de 2003 (fls. 173), o recurso encontra-se intempestivo, sendo irrelevante o feriado de 21 do mesmo mês e ano.No mérito, a discussão ultrapassa e muito o debate eminentemente processual em torno do art. 485 do CPC, bem como a alegada ofensa reflexa.(…)Alega o embargante haver ‘discussão estéril’ (fl. 174) em relação à Súm. 343/STF, visto inexistir mérito na rescisória.O argumento não procede, pois o referido enunciado foi expressamente consignado na r. decisão pelo então Rel. Min. Néri da Silveira para negar seguimento ao recurso, sendo imperioso o seu combate no agravo regimental — sendo certo que o equívoco na análise meritória da decisão de fls. 140 justifica o acerto do fundamento contido no agravo regimental de fls. 155/167.No particular, destaquem-se os argumentos no acórdão embargado à fl. 158 dos autos.Portanto, correta a discussão no agravo regimental em torno do enunciado 343 do STF.Por outro lado, o acórdão ora embargado igualmente concluiu pelo ‘error in procedendo’ do TST, ao verificar a presença do art. 5º, inc. XXXVI, da CF na petição inicial — o que significa ter ocorrido negativa de prestação jurisdicional efetivada pelo órgão de origem.” (fls. 191/193).E conclui:“Portanto, correta a relação estabelecida entre a fundamentação e o dispositivo ao encontrar o erro de procedimento requerido pelo INSS no recurso extraordinário às fls. 105/108, de modo que, acolhida a deficiência na prestação jurisdicional (não julgamento do recurso ordinário), a única saída seria o retorno dos autos à origem para a apreciação do recurso como de direito.Daí porque, ao contrário do que afirmou o embargante, a controvérsia não se resume ao art. 485, inc. V, do CPC, mas a efetiva prestação jurisdicional (tema eminentemente constitucional) que se deve conferir à postulação do autor, pois o único óbice consignado no TST afigurou-se equivocado, tolhido o direito do autor ao processamento e análise de seu recurso, razão pela qual a violação à Lei Maior foi manifesta na decisão de fls. 88/89.Pelas mesma razões supracitadas, afasta-se a alegação de ofensa reflexa, revelando-se procrastinatórios os embargos opostos pelo agravado.A manutenção do decisum é medida de rigor.” (fls. 194/195).Em sessão de 4.11.2003, ao julgar os presentes embargos, a Segunda Turma acolheu minha proposta, no sentido de submeter a matéria ao Pleno.É o relatório.EMB.DECL.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 328.812-1 AMAZONASV O T OO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES — (Relator): Cuida-se de embargos de declaração opostos contra acórdão unânime da 2ª Turma, que deu provimento ao recurso extraordinário do INSS, afastando a aplicação da Súmula n° 343/STF em controvérsia constitucional e determinando o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para que aprecie a ação rescisória como entender de direito.No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, julgou improcedente ação rescisória proposta pelo INSS, com fundamento na Súmula n° 343 deste STF, apesar de verificada controvérsia constitucional quanto ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF), em ação rescindenda que cuidava de planos econômicos.Por sua vez, o Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao recurso ordinário e à remessa ex-officio, mantendo a decisão do regionalInterposto recurso extraordinário, o Min. Néri da Silveira negou seguimento ao recurso, ao fundamento de que a natureza processual da questão não possibilitava o processamento do recurso.Contra esta decisão, o INSS interpôs agravo regimental, o qual apresentei em mesa junto à 2ª Turma desta Corte. Na oportunidade, proferi voto no sentido de que não se aplica o verbete da Súmula n 343/STF quando a interpretação controvertida for de texto constitucional, reportando-me ao precedente relatado pelo Min. Cunha Peixoto (RE 89.108/GO, DJ 19.12.1980).Ao dar provimento ao agravo regimental que então se julgava, lembrei que a inicial da rescisória fundamenta-se na ofensa ao princípio do direito adquirido. Embora constasse da inicial a referência ao art. 5º, XXXVI, ressaltou-se que a providência era dispensável, diante da clara invocação do aludido princípio constitucional.De tal modo, votei pelo provimento ao agravo regimental, para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, determinando que o Tribunal de origem apreciasse a ação rescisória, na qual se invoca, exatamente, a inexistência de direito adquirido.Após o pedido de vista do Min. Carlos Velloso, na assentada de 10 de dezembro de 2002, a 2ª Turma deu provimento ao agravo regimental, por unanimidade, para conhecer e, desde logo, dar provimento ao recurso extraordinário, para que o Tribunal a quo apreciasse a ação rescisória de que se cuidava.É este o acórdão embargado.Do pedido, colhe-se que o embargante pretende que:a) “seja analisado o acórdão recorrido, partindo-se da premissa de que nele não se adotou a tese da impossibilidade da rescisória, por ser controvertida a matéria constitucional nele versada, mas a da existência de controvérsia sobre a indicação, na inicial, como violado o art. 5º, XXXVI, da Lei Magna (…)”;b) “ou, se mantido o conhecimento do recurso, declinar-se qual foi o dispositivo constitucional violado diretamente pela decisão do TST, quando entende deficitária a inicial de ação rescisória com arrimo no artigo 485, V, do CPC, pela ausência de indicação expressa do dispositivo constitucional violado” (fls. 180 e 181).Inicialmente, afasto a preliminar de intempestividade suscitada pelo embargado (fls. 191/192), uma vez que o acórdão embargado foi publicado em 11.4.2003, sexta-feira (fl. 172), iniciando-se o prazo no dia 14.4.2003, segunda-feira. Considerando os feriados de 18.4.2003 (sexta-feira da paixão) e 21.4.2003 (Tiradentes), o prazo da embargante findou-se em 22.4.2003, terça feira, data em que protocolados os presentes embargos (fl. 173).Quanto às alegações do embargante, os limites dos embargos declaratórios encontram-se desenhados adequadamente no art. 535 do CPC. Cabem quando a decisão embargada contenha obscuridade ou contradição, ou quando for omitido o ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.Não há no modelo brasileiro embargos de declaração com o objetivo de se determinar à autoridade judicial a análise de qualquer decisão, a partir de premissa adotada pelo embargante.Nesse sentido, inadequados os embargos, ao menos no que se refere ao primeiro dos pedidos, porquanto a pretensão não se subsume as hipóteses do art. 535 do CPC.No que tange à suscitada omissão quanto aos requisitos para conhecimento do recurso extraordinário, tampouco merece prosperar o inconformismo.Com efeito, o acórdão embargado afastou os contornos da Súmula 343/STF, com fundamento na força normativa e concretizadora da Constituição, assentando tanto a admissibilidade do apelo extremo quanto da ação rescisória em apreço.Ademais, destaque-se que a discussão sobre os limites de conhecimento do recurso extraordinário quanto à alínea “a” do permissivo constitucional é irrelevante na espécie.De fato, este Plenário assentou – no julgamento do RE 298.694/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.4.2004 – que este STF não está restrito ao exame dos dispositivos alegados pelo recorrente, ao apreciar recurso extraordinário:“I. Recurso extraordinário: letra a: possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraordinário: manutenção, lastreada na garantia da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido.II. Recurso extraordinário: letra a: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, a — para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados — e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário. (…).”(RE 298.694/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 23.4.2004)No que tange à inaplicabilidade da Súmula 343/STF, tenho reiteradamente observado nesta Corte que este verbete precisa ser revisto. Refiro-me, especificamente, aos processos que identificam matéria contraditória à época da discussão originária, questão constitucional, bem como jurisprudência supervenientemente fixada, em favor da tese do interessado.Não vejo como não afastarmos a Súmula 343, nestas hipóteses, como medida de instrumentalização da força normativa da Constituição.Trata-se de posição que sustentei em voto vista que proferi no AI-AgR 460.439, quando discutíamos questão atinente à correção de contas do FGTS.Mais uma vez, é necessário ponderar acerca do papel da ação rescisória em nosso sistema jurídico.O instituto da rescisória representa, sobretudo, uma conciliação entre os extremos do respeito incondicional à coisa julgada e a possibilidade de reforma permanente das decisões judiciais. (Cf. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 3 a. edição revista e aumentada).Sob uma perspectiva constitucional, ao analisar o instituto da rescisória temos dois valores em confronto. De um lado a segurança jurídica. Do outro, temos uma manifestação do devido processo legal, qual seja o compromisso do sistema com a prestação judicial correta, não viciada.Na realidade, o instituto da rescisória atende à efetiva realização da idéia de Justiça.Isso pode ser extraído das hipóteses de admissibilidade da rescisória descritas no art. 485 do CPC. Sem dúvida, de uma leitura “positiva” dos incisos que compõem o art. 485, depreende-se que o sistema busca, entre outros aspectos, sentenças proferidas por juízes honestos (incisos I e II), que sejam harmônicas em relação a outros pronunciamentos judiciais (inc. IV), que tenham substrato probatório consistente (VI, VII e VIII), e que respeitem a ordem legal objetiva (V), etc. Não observados tais objetivos, o sistema estabelece uma via processual de correção, nas hipóteses específicas do art. 485 do CPC.Ou seja, a partir da rescisória, constrói o legislador uma espécie de válvula de segurança, uma última via de correção para o sistema judicial. Uma via restrita, certamente, sujeita a prazo e a hipóteses específicas, tendo em vista aquela perspectiva de resguardo da segurança jurídica.No âmbito específico do inciso V, o propósito imediato é o de garantir a máxima eficácia da ordem legislativa em sentido amplo. Para isto, permite-se a excepcional rescisão daqueles julgados em que o magistrado violou, nos termos do CPC, “literal disposição de lei”.A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação “qualificada”.Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, para o fim de ajustá-la à ordem constitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória?Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para a admissão das ações rescisórias.Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição.Isso obviamente não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas no plano infraconstitucional. Não é por acaso que uma decisão definitiva do STJ, pacificando a interpretação de uma lei, não possui o mesmo alcance de uma decisão definitiva desta Corte em matéria constitucional. Controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o nosso sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados com resultados também diferenciados.Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional.Nesse ponto, penso que é fundamental lembrar que nas decisões proferidas por esta Corte temos um tipo especialíssimo de concretização da Carta Constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional.A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave que a violação à lei. Isto já havia sido intuído por Pontes de Miranda ao discorrer especificamente sobre a hipótese de rescisória hoje descrita no art. 485, inciso V, do CPC. Sobre a violação à Constituição como pressuposto para a rescisória, dizia Pontes que “o direito constitucional é direito, como os outros ramos; não o é menos; em certo sentido, é ainda mais. Rescindíveis são as sentenças que o violam, quer se trate de sentenças das Justiças locais, quer de sentenças dos tribunais federais, inclusive as decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal”. (cit., p. 222).De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação constitucional do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada.Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia.Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável a uma aplicação divergente da legislação infraconstitucional.Certamente já não é fácil explicar a um cidadão porque ele teve um tratamento judicial desfavorável enquanto seu colega de trabalho alcançou uma decisão favorável, considerado o mesmo quadro normativo infraconstitucional. Mas aqui, por uma opção do sistema, tendo em vista a perspectiva de segurança jurídica, admite-se a solução restritiva à rescisória que está plasmada na Súmula 343.Mas essa perspectiva não parece admissível quando falamos de controvérsia constitucional. Isto porque aqui o referencial normativo é outro, é a Constituição, é o próprio pressuposto que dá autoridade a qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial!Considerada tal distinção, tenho que aqui a melhor linha de interpretação do instituto da rescisória é aquela que privilegia a decisão desta Corte em matéria constitucional. Estamos aqui falando de decisões do órgão máximo do Judiciário, estamos falando de decisões definitivas e, sobretudo, estamos falando de decisões que, repito, concretizam diretamente o texto da Constituição.Assim, considerado o escopo da ação rescisória, especialmente aquele descrito no inciso V do art. 485 do CPC, a partir de uma leitura constitucional deste dispositivo do Código de Processo, já não teria dificuldades em admitir a rescisória no caso em exame, ou seja, nos casos em que o pedido de revisão da coisa julgada funda-se em violação às decisões definitivas desta Corte em matéria constitucional.Considero, de qualquer modo, necessário avançar nessa linha de argumento, e enfatizar uma perspectiva específica, relacionada à posição de supremacia das normas constitucionais.Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não estou afastando, obviamente, o prazo das rescisórias, que deverá ser observado. Há um limite, portanto, associado à segurança jurídica.Mas não parece admissível que esta Corte aceite diminuir a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à interpretação constitucional aqui formulada. Assim, se somente por meio do controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória, com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação de decisão divergente.Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, uma fragilização da força normativa da Constituição.Lembro-me aqui da lição de Konrad Hesse:“(…) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Ela é fundamental, considerada global ou singularmente.Todos os interesses momentâneos — ainda quando realizados — não logram compensar ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda. Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático’. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.” (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 21-22).A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal.Tal prática afigura-se tanto mais grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle de constitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de tramitação das questões em três instâncias ordinárias.De fato, penso que não podemos desconsiderar o atual contexto da demora na tramitação das questões que chegam ao STF em recurso extraordinário, o que, aliás, é uma decorrência de uma perspectiva que entendo equivocada.A interpretação restritiva, considerado esse modelo em que as questões constitucionais chegam ao Supremo tardiamente, cria uma inversão no exercício da interpretação constitucional. A interpretação dos demais tribunais e dos juízes de primeira instância acaba por assumir um significado muito mais relevante que o pronunciamento desta Corte. Não posso aceitar isso. Isto não é, por evidente, uma rejeição ao modelo difuso. O que quero enfatizar é que estamos aqui diante de uma distorção do modelo que merece ser corrigida. A rescisória, tal como se coloca no presente caso, serve justamente para permitir essa correção.A exegese restritiva, que na verdade assume um caráter excessivamente defensivo, acaba por privilegiar a interpretação controvertida, para a mantença de julgado desenvolvido contra a orientação desta Corte, significa afrontar a efetividade da Constituição. Isso não me parece aceitável, com a devida vênia.Sobre o tema específico que se coloca nos autos, lembro aqui de um estudo de 2003, da autoria do eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Teori Albino Zavascki (“Ação Rescisória em Matéria Constitucional”, Revista de Direito Renovar, no 27. Set-Dez 2003. Ed. Renovar. págs. 153-174). Diz Teori, tratando expressamente da aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional: Fonte Consultor Jurídico

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