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Retrato da advocacia

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Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 16:05 Advogado de escritório paulista é jovem e pós-graduadopor Lilian MatsuuraJovem,
branco, pós-graduado, que atua em mais de uma área do Direito e tem
como principal preocupação manter um bom relacionamento com o cliente.
Este é o retrato do profissional que trabalha nas sociedades de
advogados de São Paulo. Não foi fácil convencê-los a responder um
questionário que possibilitasse traçar um perfil da advocacia, mas a
professora e pesquisadora da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio
Vargas Luciana Gross Cunha conseguiu e, em entrevista à revista Consultor Jurídico, falou sobre os resultados da pesquisa.Luciana
tem certa experiência em pesquisas na área jurídica: já fez
levantamentos com os delegados de Polícia Civil e os membros do
Ministério Público. A curiosidade e a percepção de que os escritórios e
advogados estavam se profissionalizando e especializando cada vez mais
fizeram com que Luciana fosse atrás de dados sobre a advocacia. Para
confirmar as suas impressões ou desfazê-las.Ao
todo, 239 advogados juniores, seniores e sócios concordaram em
responder ao questionário, que perguntava desde a cor da pele do
entrevistado ao salário. Escritórios de todos os portes foram
pesquisados. Luciana conta que encontrou “enorme resistência” de muitos
advogados e bancas em participar da pesquisa. E também da Ordem dos
Advogados do Brasil, que não forneceu a lista de escritórios
cadastrados. As bancas pesquisadas fazem parte do banco de dados do
Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados).A
pesquisa constatou, em relação aos escritórios, que há um mercado
estratificado de acordo com o tamanho da banca. As grandes sociedades
concentram grandes empresas em sua clientela. As pequenas, clientes
individuais. A estratificação também pode ser percebida na contratação
dos profissionais, de acordo com a pesquisadora. Formados em faculdades
públicas estão mais concentrados nos grandes escritórios. Mas, como
sócios, a concentração é maior nos pequenos escritórios.Entre
os advogados que têm até 30 anos, 67% atuam como advogados juniores e
seniores e 33% são sócios. Os dados, na interpretação de Luciana,
revelam que há uma rápida mobilidade na carreira. Para subir, é preciso
estudar. Por isso, 68% dos entrevistados têm pós-graduação. Entre eles,
72% fizeram especialização e 15% possuem mestrado.Luciana
Gross Cunha tem 35 anos e se enquadraria muito bem no perfil que traçou
dos advogados, mas preferiu seguir a linha acadêmica. Estudou Direito
na PUC e Ciências Sociais na USP, ao mesmo tempo. Logo em seguida fez
doutorado em Ciências Políticas na USP. “Decidi estudar o Judiciário
com o olhar da ciência política”, revela. A tese de doutorado foi
transformada no livro Juizado Especial — Criação, Instalação, Funcionamento e a Democratização do Acesso à Justiça, que acaba de ser lançado pela editora Saraiva.Na
GVLaw, dá aulas na graduação, pós-graduação e mestrado. Luciana foi uma
das primeiras a ser convidada para compor a equipe que criou o curso de
Direito na fundação. Antes, trabalhou com a professora da USP e
especialista em pesquisas sobre o Judiciário, Maria Thereza Sadek.Os
alunos do primeiro semestre têm aulas de Política e Instituições
brasileiras com Luciana. “Uma das minhas preocupações é estudar a
política brasileira. E não há como fazer isso sem estudar o Judiciário,
que também é um poder político.” Outra disciplina que ministra chama-se
Organização da Justiça e do processo. Ela explica que nesta aula leva
os alunos a olharem para a administração da Justiça, como está
organizada e qual é a função do processo dentro desse sistema. Os
jornalistas Daniel Roncaglia e a Rodrigo Haidar também participaram da
entrevista.Leia a entrevistaConJur — Qual o perfil do advogado das sociedades de São Paulo?Luciana Gross Cunha —É um advogado jovem, com curso de pós-graduação. Para ele, a formação é
um dos critérios mais importantes para o sucesso. Os advogados formados
na USP ocupam cargos mais altos em escritórios menores. Alunos de
escolas particulares, como Mackenzie e PUC, ocupam o mesmo posto em
sociedades maiores. Também pudemos verificar que as mulheres ocupam
cargos mais baixos dentro das sociedades. E isso não acontece por
discriminação. É clara a opção pessoal da mulher. Em posições mais
altas, elas não conseguem conciliar a família com a vida profissional.
São poucas as que ocupam posto de sócias. As que chegaram lá,
normalmente não têm filhos. Entre os homens, 57% são solteiros.ConJur — Em quais faculdades eles são formados?Luciana —A maioria, 30%, formou-se pela PUC. Em segundo lugar vem a USP com 22%.
Em seguida, aparece o Mackenzie com 16%. E, empatadas, FMU e Unip, com
13%. As escolas tradicionais ainda ocupam o maior espaço nos
escritórios. O interessante é que, em 2002, participei de uma pesquisa
com delegados de Polícia Civil e o resultado foi inverso. A maioria é
formada pela Unip e FMU. É importante observar que os advogados vêm de
famílias com alto grau de instrução.ConJur — Em outras carreiras jurídicas não é assim?Luciana —Não. Entre juízes é comum a mãe, por exemplo, não ter feito faculdade.
No caso das sociedades de advogados é diferente: 54% das mães e 73% dos
pais dos advogados têm superior completo. Muitos indicam que o pai fez
pós-graduação, o que é uma novidade dessa geração. Também é comum terem
ao menos um familiar ligado à área jurídica.ConJur — Pode-se dizer, então, que esses advogados fazem parte da elite econômica.Luciana —Em São Paulo, sim. Grande parte da mostra de advogados entrevistados
saiu da lista do Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados).
Cerca de 60% dos escritórios paulistas estão filiados à entidade. Os
advogados entrevistados, mesmo os de escritórios menores, fazem parte
da elite econômica que tem formação endógena. Isto é, vieram de família
com boa formação. ConJur — Para eles, fazer parte de uma sociedade de advogados é chegar ao topo da carreira?Luciana — Sim, esse é o perfil. Eles gostam do que fazem. Querem ser sócios de grandes escritórios ou ter a sua própria grande sociedade.ConJur — Eles pensam em adquirir experiência nas grandes sociedades
para depois abrir um escritório especializado na área que mais gostam?Luciana —Hoje, os grandes escritórios são cada vez menos especializados em uma
ou poucas áreas. Os principais clientes são grandes corporações e aí as
bancas passam a ter a função de atender em todas as áreas. Na pesquisa,
antes da aplicação de questionários, fizemos longas entrevistas
qualitativas com sócios de escritórios. Eles observaram que desde o
início da década de 90, com as privatizações, o mercado está muito
competitivo. Se a banca não oferece serviço em todas as áreas, perde o
cliente para outro que ofereça. ConJur — Na época, a quantidade de negócios aumentou substancialmente.Luciana —Sim. Muitos clientes vieram do exterior e não conheciam a realidade
brasileira na área do Direito. Eles queriam um escritório que atendesse
desde o processo de aquisição até o problema trabalhista. Isso fez com
que os grandes escritórios deixassem de ser conhecidos pela atuação em
uma área específica. Grandes bancas são aquelas com mais de 50
advogados.ConJur — E os profissionais? Estão mais especializados?Luciana —Também não. Quando perguntávamos aos advogados a área de atuação,
pouquíssimos indicavam uma única área. Hoje em dia é difícil encontrar
advogados muito especializados. Eles têm de ser flexíveis.ConJur — A pesquisa identificou a área de maior interesse dos entrevistados?Luciana —É a área consultiva de negócios. Essa classificação nós tivemos que
criar. Ela engloba atividades ligadas aos negócios de grandes
corporações e especialidades como Direito Comercial, Direito
Societário, Direito Penal Econômico. O contencioso também foi citado
pelos entrevistados. Em segundo lugar, áreas tradicionais como penal,
cível, família, trabalhista e tributário. Elas ainda aparecem como
setores promissores. O Direito Público vem em seguida, muito por conta
do crescimento de parcerias público-privadas, que demandam conhecimento
bem específico. ConJur — Qual tipo de especialização os advogados fazem mais: lato sensu ou stricto sensu?Luciana — Lato sensu,
porque permite estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Eles fazem
pós-graduação para crescer na carreira. Os escritórios estão se
profissionalizando. Em muitos, a área administrativa não é mais tocada
por um advogado, o que é uma novidade. Especialistas em administração
de empresas preparam um plano de carreira. Um dos requisitos para o
advogado subir de cargo é ter curso de especialização. É uma exigência
dos escritórios.ConJur — O escritório paga o curso para o advogado?Luciana — Não. Apesar de cobrar um curso de especialização, quem paga é o próprio advogado.ConJur — E eles ganham bem?Luciana —A maior parte dos 239 entrevistados não respondeu à pergunta sobre os
rendimentos. O que conseguimos constatar foi que, hoje, eles são
advogados contratados. E não mais associados, sem direitos
trabalhistas. Com fiscalização mais intensa da Receita Federal, os
escritórios passaram a contratar.ConJur — Qual a porcentagem de advogados contratados?Luciana — Os dois terços que não são sócios são contratados. É difícil encontrar advogados que não são funcionários do escritório.ConJur — Qual a idade média dos advogados?Luciana — 65% deles tem até 30 anos.ConJur — As sociedades de advogados estão sendo tomadas por jovens?Luciana —Essa não é uma característica só das sociedades de advogados. Nos
últimos anos, em todas as carreiras jurídicas houve diminuição da idade
de entrada no mercado de trabalho. No entanto, com as restrições
implementadas com a Reforma do Judiciário, como a necessidade de tempo
de atividade como advogado para prestar concurso, a advocacia passou a
ser uma opção. E muitas das sociedades de advogados têm ano limite de
aposentadoria. A idade varia entre 60 e 65 anos, que é cedo para parar
de trabalhar. ConJur — Há ainda o fato de ter aumentado o número de cursos de Direito, o que coloca mais gente no mercado.Luciana —Sim. Aumentou o número de cursos, o mercado cresceu e,
obrigatoriamente, houve uma absorção por essas sociedades. Criaram uma
nova categoria. Depois do estagiário, o advogado júnior.ConJur — Como eles vêem a advocacia? Eles têm uma visão de negócios? Ou
mantém aquela visão romântica da advocacia, de defesa das liberdades,
da justiça?Luciana — A visão é
de negócio. Quando perguntamos quais as principais características de
uma boa sociedade de advogados, 90% responderam que tem de ter boa
comunicação com o cliente, conquistá-lo. Essa é uma resposta nova, que
aparece inclusive em entrevista com sócio. Um sócio disse que o maior
problema de hoje é que o advogado que entra no mercado não sabe lidar
com o cliente. Não basta só saber a lei e o direito. O mercado é de
alta concorrência. Saber lidar com o cliente pode ser o diferencial em
relação a outras bancas. Conhecer a lei aparece em segundo lugar. O
nome do sócio aparece como a última resposta para que a sociedade tenha
sucesso.ConJur — Quais eram as possibilidades de resposta?Luciana Gross Cunha —Comunicação com o cliente, conhecer a lei, conhecer a realidade
brasileira ou o nome do sócio. O entrevistado podia escolher todas, se
quisesse. O conhecimento sobre a realidade brasileira ficou em terceiro
lugar. Os advogados observaram ainda que a linguagem usada com o
cliente não pode ser técnica. A necessidade de informações sobre o
mercado e a realidade brasileira aparece aí. É essencial que o advogado
esteja bem informado, que saiba o que está acontecendo na economia, na
área social, na política. Nos jornais, a cobertura da área jurídica vem
aumentando. As decisões do Supremo Tribunal Federal todos os dias estão
estampadas nos jornais.ConJur — O ingresso em uma sociedade é por mérito?Luciana — Não pesquisei a forma de ingresso, mas a promoção na carreira é por mérito. ConJur — O filho do sócio não tem mais a primazia de chegar a determinado posto sem passar por todos os estágios.Luciana —Não dá para afirmar isso de forma categórica. Mas com a
profissionalização, a administração interna funciona independentemente
da família. O mais importante é que esse administrador é um
administrador, não um advogado que cumpre a função de olhar a carreira.
Isso era normal nas sociedades de advogados.ConJur — A pesquisa identificou outras diferenças entre homens e mulheres, além do cargo?Luciana —As mulheres normalmente são menos especializadas nas áreas de atuação.
Elas continuam nas áreas tradicionais: cível, penal, trabalhista,
família e tributário. O homem aparece mais nas áreas de
telecomunicação, patentes, energia. As especialidades são marcadamente
masculinas.ConJur — Por quê?Luciana —Talvez pela própria organização interna da sociedade de advogados.
Atuando em uma área menos especializada, ela consegue conciliar melhor
as tarefas que tem.ConJur — O que leva um advogado a se associar a uma banca?Luciana —Normalmente não é uma escolha pessoal. Todos eles pretendem se associar
a uma banca ou se tornarem sócios de escritórios. Mas não é uma escolha
pessoal. É uma trajetória de carreira. Virar sócio é uma questão de
status. ConJur — Isso importa bastante?Luciana —Importa. É uma questão tão importante como no mundo empresarial.
Podemos tratar as sociedades de advogados como mais um negócio. Um
grande negócio, com todas as suas características. Eles têm de saber
concorrer no mercado e ganhar. ConJur — O trabalho é artesanal?Luciana — Não. Eles funcionam como mais um funcionário da empresa atendendo o cliente.ConJur — Nem nas grandes causas?Luciana —Nas grandes causas, o sócio tem de se envolver pessoalmente. Só nesses
casos o tratamento é artesanal. O envolvimento do sócio se dá,
principalmente, para cuidar da relação e atendimento ao cliente. E o
atendimento é um fator tão importante que muitos escritórios criaram
áreas que não existiam para atender às necessidades dos clientes.
Antes, havia escritórios que só faziam Direito do Trabalho e, outros,
só Direito Penal. Hoje, essas áreas entraram nos grandes escritórios. O
setor de Direito Penal Econômico vem recebendo atenção das bancas.ConJur — Os escritórios estão organizados como se fossem pequenos escritórios dentro de um grande guarda-chuva?Luciana —Não. Há interligação entre as áreas. Por isso, os advogados dizem que
trabalham em mais de uma área. Eles têm de se comunicar entre si. O
cliente exige isso.ConJur — Se um escritório não tem a área trabalhista e precisa dela, se associa a outro ou costuma terceirizar o serviço?Luciana —O que eles têm feito é trazer a área para dentro do escritório. Há uma
expansão forte neste sentido. Por isso, hoje em dia há um número maior
de sociedades grandes.ConJur — O que significa tratar bem o cliente?Luciana —Ter um canal aberto com ele. Facilitar a forma de pagamento também
conta. Hoje, os escritórios oferecem um pacote fechado de remuneração,
o que influencia na concorrência pelo preço.ConJur — Há muita concorrência em relação ao preço?Luciana —Alguns sócios tocaram nesta questão durante a pesquisa. Para ser
atrativa, a sociedade de advogados tem de personalizar a forma de
prestação do serviço. Essa é uma questão importante. A
profissionalização dos escritórios também é um indicativo de
concorrência. A necessidade de criar carreira e apontar para o advogado
a possibilidade de ascensão dentro do escritório. O plano de carreira
ajuda a não desperdiçar os talentos. Eles não querem correr o risco de
formar o advogado e depois ele ser contratado por outra banca.ConJur — O investimento em material humano é grande?Luciana —Na pesquisa, os advogados, principalmente os juniores, achavam que as
sociedades deveriam investir mais na mão-de-obra. Já que eles mesmos
pagam a pós-graduação.ConJur — Quantas línguas os advogados falam?Luciana Gross Cunha —A maior parte deles fala inglês. Muitos falaram sobre a possibilidade
de estudar em outro país. A maior parte pensa em ir para os Estados
Unidos. A Itália também aparece, na área de Direito Civil.ConJur — A entrada de alguns escritórios estrangeiros no país causou receio entre os sócios?Luciana —A maior parte não vê isso como um problema. Pelo contrário, eles acham
que vão ganhar, porque serão consultados por esses escritórios. E
também acham que terão vantagem porque conhecem como funciona o mercado
nacional.ConJur — Na pesquisa, houve algum resultado que você tinha previsto e se confirmou? Ou algum que surpreendeu?Luciana —O resultado que se confirmou foi a idéia de que os escritórios estão se
profissionalizando. A maior surpresa é que as áreas tradicionais ainda
são muito procuradas na especialização e continuam sendo apontadas como
promissoras. A profissionalização da sociedade de advogados não acabou
com o tradicionalismo da atuação do profissional. Uma idéia criada e
que caiu por terra foi a de que os advogados seriam altamente
especializados. Eles não são.ConJur — Há diferença entre escritórios e grandes empresas?Luciana —As diferenças diminuíram bastante. Hoje, os advogados têm de cumprir
metas. Eles não podem perder o cliente e têm de cumprir um determinado
número de atendimentos por mês. Internamente, também é um mercado
competitivo. Fonte Direito do Estado.com.br

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