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Mugabe, Zimbábue e democracia

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Submitted by eopen on qua, 18/07/2018 – 10:05 Os recentes acontecimentos que marcaram as eleições presidenciais do ditador Robert Mugabe no Zimbábue trazem à reflexão duas questões jurídicas da mais alta importância para a compreensão do mundo globalizado:1ª) como a democracia pode ser encarada enquanto objeto de um direito fundamental?2ª) de que forma é possível cogitar da concretização desse direito sem utilização da força?Quando, em coluna anteriorfalamos sobre o desenvolvimento do Estado de Direito e seu paralelismo
com os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração,
tivemos a oportunidade de esclarecer que, com o término da II Guerra
Mundial, todo o mundo se voltou para a construção de regimes políticos
que fossem aptos a impedir o ressurgimento de governos totalitários que
tantas cicatrizes haviam deixado na história da humanidade. Era necessário que o mundo se unisse (o
surgimento da ONU foi a primeira ferramenta) e que os países aliados no
esforço de guerra e os sobreviventes fizessem nascer constituições que
efetivamente fortalecessem as instituições democráticas (a separação de
poderes, a sujeição do Estado à legalidade), reforçassem os mecanismos
de controle sobre os atos do estado (controle de constitucionalidade,
independência do Poder Judiciário) e assegurassem real participação do
povo no exercício do poder (mediante o aprimoramento das formas de
funcionamento das democracias). Além disso, no plano dos direitos
fundamentais, era preciso reestabelecer o respeito, a qualquer custo,
dos direitos individuais, prosseguir no esforço de implementação de
políticas públicas voltadas à efetivação dos direitos sociais
(trabalho, saúde, educação, etc), bem como instituir novos direitos,
pelo reconhecimento explícito nas cartas constitucionais, direitos de
uma dimensão superior, não do indivíduo, nem de grupos, mas de todo o
gênero humano: os direitos difusos que têm por objeto a paz, o
desenvolvimento, o meio ambiente, a informação e a democracia. Somente pela via da institucionalização e do
alargamento infinito da titularidade de tais direitos (por isso também
chamados de ‘direitos de solidariedade’) seria possível criar uma rede
internacional de consciência e tutela desses bens jurídicos (daí a
internacionalização dos direitos humanos), uma malha universal de
proteção desses valores (a universalização dos direitos fundamentais),
tudo para assegurar que o ser humano, agora cidadão do mundo, estivesse
armado com armas jurídicas para defender este mesmo mundo do arbítrio e
da opressão. Pelo exercício do direito à informação e à democracia, no
plano interno dos estados nacionais, assegura-se a paz no plano
internacional (ninguém melhor do que Norberto Bobbio sustentou e
fundamentou esta idéia). E pelo reconhecimento de que é direito de todo
ser humano viver num planeta ecologicamente equilibrado, livre e
democrático, assegura-se a legitimidade e juridicidade de todos os
movimentos sociais, políticos e econômicos, nacionais e internacionais,
em prol da defesa, nos quatro cantos da Terra, do meio ambiente, da
liberdade e da democracia.”O fato é que Robert Mugabe é o presidente eleito do Zimbábue em flagrante desrespeito ao direito à democracia dos africanos e de todos nós, cidadãos do mundo.”Não é sem razão, assim, que o mundo se levanta
contra Robert Mugabe, ditador que governa o Zimbábue há quase trinta
anos, e que na última eleição, duas semanas atrás, coagiu e ameaçou
milhares de eleitores — quem não tinha o borrão no dedo para provar que
já tinha votado era perseguido e levado à força à cabine eleitoral — ,
matando quase 100 correligionários do adversário Morgan Tsavangirai,
que acabou abrindo mão de disputar o segundo turno das eleições para
não expor em risco a sua própria vida, a de seus companheiros de
campanha e a de seus eleitores. Tsavangirai ainda teve de se refugiar
na Embaixada da Holanda para fugir das perseguições, já que esta não
seria a primeira vez: em 2007 ele foi preso por Mugabe e espancado na
prisão.Apesar dos protestos manifestados por
organismos internacionais de direitos humanos e  por governos de todo o
mundo — salvo o de governos locais que, reunidos no Egito na cúpula da
União Africana, ignoraram as violações de direitos praticadas,
referindo-se apenas à necessidade de ‘diálogo com a oposição’ — , o
fato é que Robert Mugabe é oficialmente o presidente eleito do
Z|imbábue em total afronta ao direito político dos zimbabuanos e em
flagrante desrespeito ao direito à democracia dos africanos e de todos
nós, cidadãos do mundo.Mas o que nos resta fazer? Falar a respeito,
informar às pessoas sobre o que se passa no Zimbábue, manifestar
protesto de todas as maneiras e torcer para que a pressão política
internacional aumente, a União Africana se constranja e a ONU aprove
sanções e medidas contra o governo Mugabe. Tudo parece legítimo para
tornar efetivo e concreto o direito fundamental à democracia, menos o
sufocamento econômico do Zimbábue, ou o emprego da força militar, que
certamente se traduziriam em mais dor e sofrimento para um povo já tão
combalido. Não nos esqueçamos que se o direito à democracia é direito
fundamental de terceira geração, o direito à paz também o é e em igual
medida. Fonte Veja.com.br/seusdireitos

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