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Mesmo na cidade, índio tem previdência rural

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O índio que atravessa a rua na faixa de pedestres, toma ônibus para
ir ao cinema e faz compras com cartão de crédito continua sendo tão
carente do cuidado especial da Previdência Social quanto o aborígene
que mora na aldeia e vive do que colhe, caça e pesca. O que coloca
debaixo da mesma tutela realidades tão diferentes? A origem nativa e a
renda obtida com um antigo costume, o artesanato. Pelo menos foi o que
entendeu a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, ao conceder aos índios
urbanos a aposentadoria especial reservada àqueles que vivem longe da
civilização.Quem tem direito a aposentadoria especial não
precisa trabalhar tanto quanto o segurado comum para começar a receber
os benefícios da Previdência. Em vez de 35 anos, tempo previsto para
homens no regime normal, o trabalhador deve contribuir durante 15, 20
ou 25 anos, dependendo do caso. Quem faz a avaliação é o próprio
Instituto Nacional do Seguro Social, de acordo com as condições de
trabalho e os riscos a que o segurado se submete.O índio que
extrai da natureza a matéria-prima para o artesanato e que vende sua
arte é um dos beneficiários desse sistema, desde que seja um
“trabalhador rural”. Na prática, isso significa dizer que, vivendo em
uma cidade, ele não pode usufruir do regime especial, exclusivo de quem
não pode “exercer diretamente seus direitos”. Esse era o texto da
Instrução Normativa 20/2007, editada pelo INSS, que dava condições
especiais aos “índios em vias de integração ou isolados”. A redação é
do artigo 7º, parágrafo 3º, inciso IX da Instrução Normativa, que
acabou revogada pela IN 40, publicada em julho do ano passado, depois
que a Vara Federal Ambiental de Porto Alegre concedeu antecipadamente a
tutela a um pedido do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul.Em novembro, o juiz Candido Alfredo Silva Leal Junior confirmousua decisão, dada em 2008. Ele aceitou o pedido feito em Ação Civil
Pública movida pelo MPF contra o Instituto Nacional do Seguro Social e
a Fundação Nacional do Índio. O MPF pediu a declaração de
inconstitucionalidade da norma da Previdência Social que distinguia
índios “aldeados” dos “não aldeados”. “Não perdem a condição de
indígenas aqueles que deixaram suas terras tradicionais e passaram a
residir em centros urbanos, sobrevivendo da atividade de artesanato”,
disseram os procuradores na ação. O INSS recorreu ao Tribunal Regional
Federal da 4ª Região no dia 11 de março e ainda aguarda a análise da
apelação.Condenada a emitir certidões aos índios urbanos que
atestassem a condição de “artesão”, a Funai não cumpriu a exigência
determinada na decisão liminar. Já o INSS, condenado a reconhecer o
índio urbano como segurado especial na categoria “trabalhador rural”,
revogou o trecho da norma que dava essa condição às aldeias. O juiz não
engoliu. “Se antes o INSS reconhecia como segurado especial apenas o
indígena-aldeado, com a revogação daquela instrução normativa deixou de
reconhecer também estes indígenas aldeados como segurados especiais”,
disse.Questão culturalA decisão, contudo, põe o benefício sob um critério bastante
delicado: o índio é segurado não por causa de sua condição econômica ou
seu meio de vida, mas simplesmente por ter nascido índio. “O artesanato
indígena não pode ser comparado ao produzido pelo não-índio, uma vez
que o artesanato indígena é resultado de produção  com a participação
dos membros do núcleo familiar, desde a coleta até a confecção do
objeto”, argumentou o MPF. O juiz concordou.A ambiguidade dessa
interpretação foi o que o INSS tentou questionar. “O indígena não pode
ser considerado segurado especial pelo só fato  de exercer atividade
rural ou de fabricação de artesanato”, alegou.Ao que indica a
sentença, o entendimento do titular da Vara Federal Ambiental se baseou
na avaliação da antropóloga do Ministério Público Elaine de Amorim
Carreira. Segundo ela, a legislação não prevê o suporte previdenciário
necessário ao índio que, embora morando na cidade, mantém os mesmos
costumes de seus distantes coirmãos. Para a antropóloga, nos centros
urbanos, eles não podem se enquadrar na condição de trabalhador rural,
o que os deixa em um limbo. “Nos encontramos diante de uma situação
onde várias comunidades indígenas, apesar de manterem seus usos,
costumes e tradições, estão excluídas da seguridade-social por não
perfazerem os requisitos convencionais do modelo
jurídico-administrativo vigente”, disse ela, mas completou: “o fato de
dependerem dos labores típicos das cidades não significa que possam ser
tratados como brancos”, levando novamente a discussão para a questão da
raça.Para o juiz Candido Leal Junior, tudo se resume ao
desenvolvimento de economia familiar. “O que difere as duas atividades
é tão somente o local onde reside o indígena, o que não parece
suficiente para autorizar a distinção”, afirmou. Confirmando a
cautelar, ele reconheceu o mesmo direito a todos os índios que exerçam
atividade artesanal em regime de economia familiar, com o uso de
matéria-prima vegetal extraída da natureza, desde que essa atividade
seja seu principal meio de vida. Ele obrigou, ainda, o INSS a editar,
em até 60 dias, um ato normativo para reconhecer o direito dos índios e
aplicou multa diária de R$ 1 mil, a contar de 17 de julho até 19 de
novembro de 2009. O total é de R$ 125 mil.Clique aqui para ler a decisãoAção Civil Pública 2008.71.00.024546-2 Fonte Consultor Jurídico

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