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Lei Seca II – O direito de recusar o teste do bafômetro

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Submitted by eopen on qua, 18/07/2018 – 10:01 Uma das questões cruciais da Lei n° 11.705, de 19 de junho de 2008, que alterou o Código de Trânsito é o uso do bafômetro. O teste do bafômetro pode ser imposto pela autoridade ao suspeito de embriaguez contra a sua vontade? A recusa do motorista pode ser tida pela autoridade como crime de desobediência? O que diz a lei? “Art 277 – Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.” “Parágrafo 1° – Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.””Parágrafo 2° – A infração prevista no art. 165 deste Código (Art. 165 Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:) poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor””Parágrafo 3° – Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código (Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação) ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.” A inconstitucionalidade da multa e da suspensão de direito por recusa ao bafômetro. Dentre todas as garantias constitucionais outorgadas aos réus em processo penal pela Carta de 1988, uma se destaca pela sua novidade e pelo avanço que representa em termos de conteúdo jurídico: o direito de “permanecer calado” consagrado pelo inciso LXIII, do art. 5º. Tal direito processual é também conhecido como “direito ao silêncio” e corresponde àquilo que os americanos chamam de privilege against self-incrimination, ou sendo mais genérico, o direito de não fazer prova contra si mesmo. Apesar de os processualistas penais e constitucionalistas normalmente só se lembrarem do direito ao silêncio no âmbito do interrogatório (perante o delegado, no inquérito policial; perante o juiz, no processo; perante a comissão, na CPI), o fato é que os réus (ou possíveis e potenciais réus) tanto têm o direito a não fazer prova contra si mesmos quando se recusam a falar perante a autoridade, como quando se recusam a colocar suas bocas no bafômetro perante o agente de trânsito. Como se vê, trata-se de direito mesmo e, mais do que simplesmente direito, direito fundamental, garantia constitucional de cada um de nós. Ora, se se trata de direito constitucional, como uma lei ordinária— o Parágrafo 3° do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro — pode penalizar o seu exercício com a aplicação de multa e suspensão do direito de dirigir? Tal lei é, por isso mesmo, francamente inconstitucional quando aplicada a quem simplesmente se recusa a se submeter ao bafômetro. Retenção do veículo, recolhimento da carteira e condução à delegaciaE quanto às medidas de “retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado” e de “recolhimento do documento de habilitação”? Não seriam elas também inconstitucionais? Não, aqui não há inconstitucionalidade alguma, uma vez que se trata de simples atos para garantir um bem jurídico: a segurança. Não nos esqueçamos que estamos diante de suspeita de cometimento de um crime (dirigir embriagado), o que justifica tais medidas. Mas se para o agente de trânsito parece ter havido o crime de dirigir embriagado, o que ele pode fazer? De acordo com o Parágrafo 2° do mencionado art. 277, ele poderá caracterizar a infração “mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez…”, ou seja, poderá fotografar o suspeito, gravar sua voz, filmá-lo, conseguir testemunhas, tudo a fim de demonstrar o estado etílico do motorista. Alem disso, é permitido:a) reter o veículo até a apresentação de condutor habilitado (retenção administrativa justificada pela exigência de prover segurança aos que transitam pelas vias públicas); b) recolher o documento de habilitação (para impedir a reiteração do suposto crime); c) conduzir o motorista supostamente embriagado à delegacia de polícia. Tal condução é absolutamente legítima para que se instaure a investigação pericial acerca do estado de embriaguez. Aqui, o que se deve ter em conta é que como o Parágrafo 3° do art. 277 não permite a prisão em flagrante (“Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art, 165 … ao condutor que se recusar…”), somente a condução coercitiva à delegacia vai poder permitir, segundo o mesmo art. 277, que o condutor sob suspeita seja “submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame…” Recusa aos exames e crime de desobediênciaRecapitulando: ninguém pode ser forçado a se submeter ao teste do bafômetro, nem ser penalizado apenas por isso, mas a retenção do veículo, o recolhimento da carta e a condução do motorista à delegacia está amparada na lei. Mas como fica a situação do motorista na delegacia? E se ele se recusar a se submeter aos exames previstos no art. 277? Assim como o bafômetro”, o exame de sangue não pode ser imposto de qualquer modo ao suspeito. No Estado de São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública tem orientado os delegados de polícia a que encaminhem os motoristas suspeitos de embriaguez (e que se recusaram a fazer do teste do bafômetro) ao Instituto Médico Legal, para que sejam submetidos a exames clínicos e, no caso de nova recusa, que sejam presos por crime de desobediência. Esta conduta do estado viola a Constituição? A resposta, neste caso, é negativa. O crime de desobediência se encontra previsto pelo art. 330 do Código Penal que estabelece: “Art. 330. Desobedecer a ordem legal do funcionário público: Pena — detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses e multa.” A ordem jurídica, neste caso, institui uma conseqüência para quem resiste à ordem de um funcionário. Sem este artigo, inúmeros deveres legais ficariam desprovidos de obrigatoriedade, por falta de sanção, dentre os quais os deveres estabelecidos no art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, salvo, como foi visto, o de se submeter ao bafômetro ou ao exame de sangue, cuja recusa constitui uma prerrogativa constitucional. Só assim o prestígio e a dignidade da administração pública são preservados e com eles os valores ou bens jurídicos que a lei deseja proteger. Fonte Veja Online

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