Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 14:27 Após um ano de criação do órgão, número de defensores no estado está aquém do necessário e remuneração dos profissionais segue defasada em relação ao dos demais funcionários do sistema de Justiça.Bia Barbosa SÃO PAULO – No final de 2005, após dezessete anos de espera e forte pressão popular, São Paulo finalmente aprovou a criação da Defensoria Pública estadual. O órgão, previsto na Constituição de 88, tem como principal atribuição atender jurídica e processualmente a parcela da população sem condições de contratar um advogado, garantindo a ela seu direito de acesso à Justiça. Às defensorias cabem também a prevenção de conflitos, a defesa dos interesses difusos e coletivos e ações de educação em direitos voltadas à população carente. Cerca de um ano após sua criação, no entanto, a Defensoria de São Paulo ainda luta para se estruturar e receber o mesmo tratamento dado a outras instituições públicas. Nesta terça-feira (17), um ato de apoio à entidade reuniu centenas de participantes na Assembléia Legislativa do Estado. Entre as reivindicações dos defensores estão a ampliação do quadro de profissionais, de forma a garantir a presença da Defensoria em todo o estado; a criação de um quadro de apoio, formado por profissionais de outras áreas que garantam o atendimento interdisciplinar previsto na lei; a ampliação do orçamento do órgão; e a valorização da remuneração dos defensores paulistas, estabelecendo a equivalência de tratamento entre profissionais do campo jurídico.Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça no ano passado, no II Diagnóstico da Defensoria Pública, o número de defensores em São Paulo em relação à população alvo (maiores de 10 anos, com renda mensal de até 3 salários mínimos) está muito aquém da média dos demais estados. Considerando a população alvo de mais de 23 milhões de habitantes paulistas e o atual número de 400 defensores, chega-se à proporção de 1 defensor público para cerca de cada 58 mil usuários em potencial. No Rio de Janeiro, por exemplo, essa proporção é de 1 para cada 13 mil. “Sabemos que é um processo gradativo, evidente que não acontece de um ano pra outro, mas o número de 400 defensores previsto na lei é claramente deficiente para o atendimento. Gradativamente, vamos tentar diminuir o convênio que existe com a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], que atende a população onde não há defensores públicos, porque o convênio é centrado num modelo em que o advogado cuida de um processo, e não na assistência jurídica geral. Além disso, o defensor tem uma demanda que pode ser chamada de política, de fomentar a participação popular e difundir direitos dos cidadãos. Isso envolve um papel pró-ativo do defensor, que vai até a comunidade”, explica Davi Depiné, presidente da Associação Paulista de Defensores Públicos (Apadep).Em maio, 220 novos defensores tomam posse no órgão e, até setembro, o quadro de 400 profissionais deve estar completo. Enquanto isso, procuradores que atuam na Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ) seguem emprestados à Defensoria. Desde 1947, a PAJ, ligada à Procuradoria Geral do Estado, cumpria a função de Defensoria Pública, atuando nas esferas cível e criminal na defesa jurídica dos necessitados. Quando o novo órgão foi criado, somente oitenta e sete Procuradores do Estado pediram transferência para a carreira de defensor público.Em relação a outras instituições do estado, o quadro de contratados da Defensoria é realmente defasado. Considerando os dados completos da população brasileira, por exemplo, para cada grupo de 100 mil habitantes há 7,7 juízes, 4,4 membros do Ministério Público e 1,48 defensor público. Em São Paulo, inexiste ainda um quadro de apoio aos defensores, considerado indispensável para que a atividade interdisciplinar seja desempenhada. Na área da infância e juventude, por exemplo, a participação de psicólogos no atendimento à população é central para que o direito de acesso à justiça se dê de forma integral.Valorização profissionalAinda de acordo com o estudo do Ministério da Justiça, “em média, as despesas referentes à Defensoria representaram 0,24% das despesas totais dos Estados” e, comparativamente com o Judiciário e Ministério Público, o gasto com a Defensoria Pública correspondeu, em média, a 3,33% de todo o orçamento destinado ao sistema de Justiça. No orçamento de 2007 do Estado de São Paulo, em relação à verba prevista para o sistema de Justiça, apenas 0,75% foi destinados à Defensoria Pública, percentual inferior à média nacional. Este número corresponde a R$ 37 milhões de reais, enquanto o Ministério Público conta com um orçamento de mais de um bilhão de reais.A conseqüência direta dos poucos recursos destinados à Defensoria Pública é a discrepância entre a remuneração dos defensores e dos demais funcionários do sistema de Justiça. A variação média em 2005 entre a remuneração de um Promotor de Justiça e a de um Defensor Público em nível final de carreira era de 257%.São Paulo sofre ainda com uma diferença em relação à remuneração de defensores de outros estados brasileiros. A remuneração inicial e final de um paulista está entre as mais baixas de todas. Enquanto o vencimento inicial de um defensor em São Paulo é de R$4.607,69, um mato-grossense recebe R$ 8 mil e um carioca, R$13 mil. Em relação à própria Procuradoria Geral do Estado, instituição de onde saíram os defensores que já estão na ativa, a defasagem salarial após um ano de ruptura de vínculo com a PGE é de 30%.Na avaliação da Apadep, isso indica desprestígio à nova carreira, justamente num momento em que ela mais precisaria de incentivo e apoio. “Essa desvalorização remuneratória propicia, em curto prazo de tempo, o esvaziamento da instituição, com a aprovação dos defensores em outras carreiras jurídicas melhor remuneradas, dificultando a seleção e manutenção de profissionais vocacionados”, diz o texto de um manifesto lançado pela Associação. “Neste quadro, para os jovens defensores, que tomarão posse em maio, é muito tentador ir para outras carreiras, no Ministério Público ou na Magistratura, porque entrarão ganhando menos da metade do valor pago a um promotor em início de carreira. A manutenção desses valores pode transformar a Defensoria Pública em um mero degrau de acesso a outras carreiras jurídicas”, acredita Depiné. “No ato desta terça–feira, quem defendeu a valorização da carreira do defensor foi a própria sociedade civil, argumentando que, como o Estado paga alguém que acusa e alguém que julga, que pague quem defende”, completa. Participação popularEm 2002, movimentos populares e entidades da sociedade civil se organizaram em torno do Movimento pela Defensoria Pública, que lutou pela aprovação da lei, que criou o órgão, e por sua implementação, há cerca de um ano. Todo o processo de participação popular que girou em torno da criação da Defensoria em São Paulo foi essencial para sua consolidação e gerou, na sociedade civil paulista, um sentimento de pertencimento à instituição. Atualmente, entidades e movimentos participam diretamente das ações e atividades desenvolvidas pelos defensores. Foi o que aconteceu nos recentes exemplos de ajuizamento de ações civis públicas impeditivas da cessação de fornecimento de energia elétrica e outros serviços públicos essenciais, nas medidas propostas para assegurar o direito à moradia, à regularização fundiária, ao acesso a medicamentos e de proteção dos interesses das vítimas desalojadas pelo acidente nas obras do metrô em São Paulo. Para ampliar ainda mais esta participação, a partir desta semana tem início um processo de conferências regionais por todo o estado, que discutirão as bases para a construção do Plano Anual de Atuação da Defensoria, que estabelecerá as áreas que deverão merecer maior dedicação institucional. “Como o envolvimento da comunidade e dos movimentos foi essencial para a criação da defensoria, agora também a gente quer ser cobrado. É uma parceria que só tende a dar resultados positivos”, conclui o presidente da Apadep. Fonte Carta Maior
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