Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 16:07 Juízo expõe impotência da Justiça para lidar com menorespor Lilian MatsuuraO
adolescente X sairia do Instituto Padre Severino (unidade de internação
provisória de menores infratores), no Rio de Janeiro, no dia seguinte.
A juíza, na audiência que definiria o seu destino, decidiu que ele
ficaria em L.A.. Quando voltou para a sua última noite no cárcere,
deparou-se com uma rebelião. Em meio à confusão, viu a possibilidade de
fugir. E assim o fez.A liberdade durou
pouco. Foi recapturado enquanto engraxava o sapato de um cliente na rua
— “dá um bom dinheiro para sustentar mulher e filho” — e permaneceu
mais um bom tempo preso até a próxima audiência. Juíza, promotor e
defensor público não entendem o que ele está fazendo de novo lá. “Aqui
no processo diz que ele está em L.A.”, dizia o promotor. “Eu me lembro
de ter decidido desta forma”, recordava a juíza. X tem uma filha e pede
que seja colocado em liberdade, para poder trabalhar e sustentá-la. Se
ele soubesse que L.A. significa liberdade assistida, talvez tivesse
agüentado mais um dia no instituto, mesmo com a rebelião. Esclarecida a
confusão, finalmente, X foi para casa.O
episódio retratado pelo documentário Juízo, da diretora Maria Augusta
Ramos e que estreou nos cinemas no fim de semana, seria cômico — para
usar uma expressão conhecida de todos — se não fosse trágico. E real. O
problema de comunicação entre Judiciário e o cidadão comum é só um dos
elementos do falho sistema estampado na tela de cinema. O despreparo do
sistema judiciário para lidar com o menor infrator também fica claro,
através das imagens captadas durante quatro dias na 24ª Vara da
Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. Ao todo foram 50 audiências.A
juíza Luciana Fiala de Siqueira Carvalho, à época titular da vara, bem
que tentava. Com real interesse na causa de cada menor que se sentava à
sua frente nas audiências, mas sem recursos para intervir diretamente,
usava o “instinto” para lidar com as situações, todas elas repletas de
humanidade e de desamparo. Tratava cada menor como um filho e a cada um
reservava uma bronca. Deixava claro a todos os menores que se sentavam
na cadeira de réu, por crimes como roubar a máquina fotográfica de um
“gringo” ou uma moto com uma arma carregada, a humilhação e o desgosto
que estavam proporcionando aos pais. A câmera da diretora se
encarregava de mostrar a dor da mãe ou do pai que participava da
audiência.Luciana usava gírias para,
depois de ler a acusação no mais perfeito juridiquês, tentar se
aproximar do jovem e trazê-lo para o lado do bem. “Se tu voltar pra
casa, os traficantes vão atrás de você e cobrar o que tá devendo. Se
for pro centro de atendimento ao menor, vai estudar e aprender uma
profissão. Pega essa chance que eu estou te dando”, dizia a juíza, em
voz alta e aguda, ao menor que foi preso em flagrante enquanto vendia
drogas na favela em que morava.Sua
expressão facial deixa claro a impotência e a inutilidade do esforço
que faz para tentar salvar aqueles que, cara-a-cara, não demonstravam
qualquer tipo de perspectiva de um futuro melhor. É pungente o drama da
menor recolhida na instituição de menores que recusa a oportunidade de
transação penal para voltar para a casa, diante da mãe desconsolada. As
instalações do Instituto Padre Severino parecem só confirmar o
sentimento de que eles não têm nada a perder. Exceto, a liberdade.
Jovens amontoados em quartos escuros, com beliches sujas (muitas sem
colchão) e um banheiro de aparência fétida.Não
há trilha sonora no documentário. O som é o do ambiente: ordens toscas
dos carcereiros aos garotos, ruído da chave nos cadeados, rangido dos
portões de ferro. Tétrico, mas real.Na
segunda-feira passada (10/3), ao final da sessão de pré-estréia do
filme Juízo, que recebeu apoio institucional da seccional paulista da
OAB, a diretora Maria Augusta Ramos e a juíza Luciana Fiala
participaram de um debate com os telespectadores.O
método escolhido pela juíza para lidar com os adolescentes nas
audiências foi alvo de duras críticas, mas também recebeu elogios. O
presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, cumprimentou a juíza
pela boa atuação. O que não sabia era que ela não estava atuando. A
rispidez ao conversar com o jovem era verdadeira. As broncas e puxões
de orelha também.A única coisa que não era
real era o rosto dos menores, que por lei não poderiam aparecer. A
diretora colocou a câmera atrás dos adolescentes, durante as
audiências. Depois, foi até algumas favelas do Rio de Janeiro procurar
jovens que vivessem em situações semelhantes aos que estavam ali sendo
julgados para atuar no lugar dos verdadeiros. E editou as imagens.O
juiz Eduardo Rezende Melo, da Vara da Infância e Juventude de São
Caetano do Sul (SP), estava na sessão de pré-estréia e não gostou da
atuação da juíza. Para ele, naquelas cenas, reais, os jovens foram
desrespeitados. “Juiz não pode dar pito nos adolescentes”, recriminou.
Disse ainda que o estado do Rio de Janeiro levantou a bandeira contra o
Estatuto da Criança e do Adolescente. “Os menores são sujeitos de
direitos.”A juíza Luciana Fiala rebateu as
acusações. “É mais fácil para o juiz ficar calado, adotar uma postura
apática. O difícil é tentar falar com o adolescente como se fosse um
filho”, declarou. Mas reconheceu que a formação do juiz é falha nesse
sentido. “Nunca conversei com psicólogos ou assistentes sociais que
pudessem me dizer como agir.”Entre
aplausos e críticas ao documentário, o que fica óbvio é que prender não
reeduca ninguém. Muitos dos que foram condenados à prisão provisória
pela juíza ou encaminhados ao centro de ressocialização, fugiram. E
também que, por enquanto, ainda não há qualquer proposta viável para
“salvar” o menor infrator. Nem mesmo os juízes, promotores, advogados
que todo dia discutem o assunto sabem por onde começar.Ao
final do filme fica a sensação desgraçada de que os meninos de rua, com
quem cruzamos pelas esquinas e semáforos de nossas vidas, estão
completamente abandonados. Não são apenas os vidros dos carros que se
fecham para eles. Seus próprios pais não sabem o que fazer por eles, a
não ser chorar e lamentar. A juíza que, imbuída de sentimento e de boa
vontade, ralha com eles como uma babá rabugenta, sabe melhor muito bem
que para eles só existem duas alternativas: mofar nas imundas
instituições para menores ou voltar para a rua onde a morte é a certeza
mais certa. É o que diz o letreiro que encerra o filme, ao descrever o
destino de cada personagem desta história real e sem esperança. Fonte Direito do Estado.com.br
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