Artigo: Redução da Maioridade Penal, solução ou medida suicida?

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direito previdenciário

No dia 31 de março, foi aprovado o texto da PEC 171/93 sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Foram 42 votos a favor e 17 contra. A CCJ analisou apenas a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa da PEC.

Agora, a Câmara vai realizar uma comissão especial para analisar o conteúdo da proposta, juntamente com 46 emendas apresentadas nos últimos 22 anos, período em que a proposta original passou a tramitar. O fato gerou polêmicas e protestos e a Unicef foi uma das entidades que criticou a nova medida através de uma nota.

Mas será que punir adolescentes infratores da mesma forma como são feitas as punições para adultos é uma decisão eficiente? Na visão do professor da EPD, mestre em Direito Penal e advogado criminalista Ivan Luís Marques o problema não está na internação ou nas medidas, e sim na gestão estatal dos adolescentes internados. Confira a entrevista.

Na sua opinião, a redução da maioridade penal é uma medida justa e eficaz, tanto para punir jovens como os adultos são punidos, quanto para diminuir o índice de violência? Por quê?

Profº Ivan Luís: Não é uma medida justa e eficaz. É uma medida suicida. As pessoas compram essa ideia pensando no agora. Vamos retirar as mini maçãs da cesta para que nossa vida fique mais segura. Tal “solução” imediatista seria inútil e equivocada.

Faça comigo, agora, um exercício mental: caso a idade penal seja reduzida para 16 anos, o que acontecerá quando um adolescente for condenado a uma pena privativa de liberdade? Ele irá para o nosso sistema carcerário. Alguém em sã consciência acredita que o sistema carcerário recupera o preso? Está apto a ressocializar o preso? Devolver o preso para a sociedade recuperado e sem intenção de voltar ao crime? Diante dessa falida realidade, é seguro colocar nessas masmorras comandadas por organizações criminosas, adolescentes violentos e revoltados? A superficialidade de quem defende essa ideia me assusta. Não existe pena de morte ou prisão perpétua no Brasil, ou seja, um dia esses adolescentes que tinham a violência como opção voltarão para as ruas e encontrarão com as pessoas que defendem essa ideia de torná-los mais revoltados e violentos. E o que a sociedade fará quando descobrir que a redução da maioridade penal para 16 anos não funcionou? Reduzirá para 14, 12, 8 anos? O erro dessa decisão política é gritante.

Tenho muito receio desse dia e espero que nenhuma Proposta de Emenda Constitucional que carregue em si essa irresponsabilidade normativa seja aprovada. Para concluir, sugiro a todos que busquem as estatísticas criminais dos adolescentes e verão que o número é tão pequeno que não justifica corrermos esse sério risco.

Qual seria a solução ideal para esses menores infratores?

Profº Ivan Luís: A solução está no investimento e recuperação desses jovens no momento correto. Gastamos milhares de reais por mês para manter cada adolescente infrator nas fundações Casa e não enxergamos nenhum resultado prático que faça a população desistir dessa ideia suicida e irresponsável de trancar adolescentes junto com adultos nos presídios.

Já temos os prédios, o dinheiro. Por que não dá certo então? Falta seriedade de quem faz a gestão desses recursos, criatividade, acreditar que é possível e investimento correto para resgatar os adolescentes infratores dessa vida triste e violenta. Educação séria. Cursos profissionalizantes de idioma, informática, etc, preparando o adolescente em situação de risco para que tenha uma oportunidade séria na vida. Após esse esforço, se mesmo assim o adolescente escolher ficar no submundo da criminalidade, deverá ser internado pelo período máximo do Estatuto e, se praticar novo delito após completar 18 anos, ingressar no sistema penitenciário. Mas ainda acredito na mudança dos jovens, diante de outra realidade estatal, para os casos de internação.

Certamente temos casos mais sérios, em que a recuperação parece impossível, mas não podemos construir um sistema humanitário considerando apenas as exceções.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas socioeducativas? Como funciona?

Profº Ivan Luís: Para entender o ECA é necessário entender os seus princípios. O Estatuto não é um diploma repressivo feito para punir adolescentes. Ele foi desenvolvido para afastar os adolescentes das situações de risco e recuperar esses jovens para recolocá-los no eixo certo da educação, família e trabalho futuro. As medidas socioeducativas podem ser leves, como uma advertência, ou mais incisivas, como a internação por até três anos.

Há ainda a possibilidade de apreender o adolescente, afastando-o cautelarmente do contato com a sociedade, permitindo ao Estado que inicie o trabalho de recuperação dessa pessoa.

Concluímos afirmando que o problema não está na internação ou nas medidas, e sim na gestão estatal dos adolescentes internados, perdendo o Estado excelente oportunidade para recuperá-los ou, ao menos, lançar uma ideia alternativa de vida, diferente da prisão ou do cemitério.

Qual a diferença entre impunidade e imputabilidade penal?

Profº Ivan Luís: Imputável é aquele que pratica um fato típico e ilícito e, além disso, por ser maior de 18 anos (critério biológico) e mentalmente são (critério psicológico) entende o caráter ilícito de sua conduta e consegue se portar de acordo com esse entendimento. Quem pratica um fato típico e ilícito e é imputável, merece sofrer um juízo de reprovação por parte do Estado.

A impunidade está atrelada à noção de violação da lei sem qualquer responsabilidade decorrente dessa situação. A pessoa desrespeita regras previamente impostas (sejam sociais, políticas, econômicas, de etiqueta ou jurídicas) e não sofre qualquer sanção. Diz-se que ficou impune.


Amarrar conceitos de imputabilidade com impunidade demonstra desconhecimento por parte de quem o faz, porque mesmo os inimputáveis sofrem coação do Estado, seja com a aplicação de medidas socioeducativas, seja com a aplicação de medidas de segurança.

O senhor concorda com a ideia de que menores infratores são mais vítimas do que vilões, justamente por estarem inseridos em um ambiente marcado por violência?

Profº Ivan Luís: Colar adesivos com as palavras mocinho ou bandido em pessoas não é um bom caminho. Rotular pessoas pode nos passar uma falsa sensação de segurança. Aquele é bandido – aquele é de confiança, etc. Temos exemplos diários de arautos da moralidade sendo descobertos como grandes vilões da sociedade, e vice-versa. Quantas pessoas injustiçadas já foram soltas com o pagamento de indenização pelo Estado? Quantos culpados sequer entraram no sistema? Justamente para evitar o estigma social superficial e afobado, desenvolveu-se o devido processo legal, que tem como um de seus pilares a presunção de não-culpabilidade.

Assim, crianças e adolescentes sem família, sem remédio, sem casa com água encanada, sem esgoto, comendo e revirando nosso lixo são sim vítimas de um Estado injusto e desigual. Entretanto, nem todo excluído social é criminoso. Da mesma forma, políticos, banqueiros e comedores de caviar desviam bilhões de reais dos cofres públicos e, com isso, ajudam a manter os excluídos cada vez mais excluídos, concentrando riqueza de forma espúria e criminosa. Qual deles merece ser colocado na cadeia? Todos somos vítimas de nosso egoísmo. Todos nós somos protagonistas do status quo. Por isso sou contra rotular pessoas, sejam elas adolescentes ou não e sou contra a redução da maioridade penal pela sua total ausência de utilidade e graves consequências sociais que virão em curto prazo.



Ivan Luís Marques é Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP, Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – FDUC, Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Penal na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, nos cursos de pós-graduação da UniFMU e da Escola Paulista de Direito – EPD, Professor de Direito Penal no Curso Preparatório IOB Concursos Marcato, autor de diversos livro e artigos jurídicos e advogado criminalista.

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