Home Artigos jurídicos A Polêmica questão da autoria do trabalho produzido pelo “GHOSTWRITER” A Polêmica questão da autoria do trabalho produzido pelo “GHOSTWRITER” Home Artigos jurídicos A Polêmica questão da autoria do trabalho produzido pelo “GHOSTWRITER” A Polêmica questão da autoria do trabalho produzido pelo “GHOSTWRITER” Submitted by robertak on ter, 05/02/2019 – 08:52 “Ghostwriter” é uma pessoa que escreve textos sob encomenda de terceiros, mas cuja autoria não é reconhecida quando da utilização do trabalho, que é publicado como se fosse de autoria do encomendante. Não se trata, portanto, de obra anônima, mas de cessão voluntária da autoria posto que autor anui, no contrato de encomenda ou de prestação de serviços, a não reivindicar a autoria. O Art. 667 do Código Civil de 1016 dispunha que “é suscetível de cessão o direito, que assiste ao autor, de ligar o nome a todos os seus produtos intelectuais”. Contudo, no regime da primeira Lei de Direitos Autorais (Lei Nº 5988/73), que instituiu a disciplina do Direito de Autor em substituição à denominada “propriedade literária, científica e artística” prevista no Código Civil de 1916, o direito do autor de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional, indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra, tornou-se irrenunciável e inalienável por se tratar de um direito moral de autor. A mesma regra se manteve na Lei vigente (Lei Nº 9.610/98). Portanto, modernamente, o direito de paternidade, embora possa ser convencionalmente limitado em determinadas circunstâncias, não é suscetível de renúncia nem de cessão. Também não é válido o acordo de vontades pelo qual o autor anui a que terceiro seja apresentado como autor. No entanto, são comuns os ajustes pelos quais um profissional concorda em redigir um texto sob encomenda de terceiro e em renunciar ao direito de paternidade. Como tem acontecido de o profissional pretender posteriormente reivindicar a autoria da obra, surge a questão de saber se esse direito pode ser exercido a qualquer momento não obstante o ajuste obrigacional estabelecido livremente pelas partes.Pode-se vislumbrar duas diferentes abordagens para solucionar esta questão. A primeira consiste em analisar a validade do acordo pelo qual o profissional renunciou ao direito de ter seu nome indicado ou anunciado como sendo o autor. A segunda consiste em analisar se o profissional que escreveu um trabalho sob encomenda de terceiro pode ser considerado autor desse trabalho ou se esse trabalho consiste em verdadeira obra intelectual suscetível de proteção autoral, sobre a qual recaem os direitos morais de autor. A jurisprudência brasileira teve oportunidade de analisar essa questão pelo menos em três oportunidades. O primeiro julgado sobre o tema foi proferido em 5/4/2011 na Apelação Cível N° 0181194-46.2008.8.26.0100, envolvendo a elaboração de uma biografia, no qual a 10ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmando a sentença de improcedência da demanda promovida pelo profissional redator, entendeu que o verdadeiro autor da obra é a encomendante, que forneceu ao redator todos os dados e elementos necessários para preparar a biografia, tendo o profissional apenas prestado o serviço de redação que “consistia em organizar os fatos e as estórias contadas pela apelada…” O Tribunal analisou as condições em que foi concluído o contrato de prestação de serviços, concluindo que o profissional anuiu às condições de “ghostwriter” e aplicando o princípio da boa-fé objetiva apoiado na autonomia da vontade e no consensualismo. A discussão sobre a validade da renúncia ao direito de paternidade em face da legislação de Direito de Autor ficou afastada na medida em que não se reconheceram o caráter de criação ao trabalho realizado e de autor ao profissional que o redigiu. Em sede de Recurso Especial (N° 1.387.242 – SP), a Terceira Turma decidiu em 3/2/2015 que seria inviável ao STJ examinar o conteúdo do contrato ou as provas produzidas no processo, o que seria necessário para deles extrair solução diversa com relação à extensão da cessão ou ao tipo de trabalho que o redator realizou quando da elaboração da biografia, esbarrando na vedação dos enunciados sumulares 5 e 7 do STJ.O segundo julgado foi proferido em 24/11/2016 na Apelação Cível N° 1.0570.11.000003-3/002 pela 13ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Também neste caso a redatora de uma biografia pleiteou o reconhecimento da paternidade da obra após haver assinado contrato de prestação de serviços como “ghostwriter”, mas o Tribunal, aplicando o mesmo entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, considerou que a profissional não produziu nenhuma criação intelectual suscetível de proteção autoral (“O escritor contratado para redigir biografia com base nas narrativas do contratante não produz obra amparada pelo direito autoral, estando correto o indeferimento do seu pedido para que dela conste como coautor.”)Por fim, o terceiro julgado foi proferido em 28/8/2013 na Apelação Cível, Nº 5062566-68.2012.404.7100 pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Embora a demandante não concordasse em ser designada como “ghostwriter”, a questão envolvia a utilização de artigos elaborados pela profissional sob encomenda e publicados como sendo de autoria do encomendante.Com base na lição de Carlos Alberto Bittar, segundo o qual, “em se tratando de obra dirigida, o verdadeiro autor é o encomendante, de sorte que o trabalho mecânico do elaborador nenhum direito lhe traz, a não ser à remuneração ajustada” (Carlos Alberto Bittar, Direito de autor. 3 ed., p. 42), o Tribunal manteve a decisão de primeira instância segundo a qual o profissional “não passava de mero elaborador dos artigos, atividade com a qual anuiu e pela qual recebeu a devida contraprestação pecuniária, não se tratando, pois, de trabalho gratuito.”Constata-se, das decisões acima mencionadas, que se consolidou o entendimento judicial no sentido de negar ao “ghostwriter” o reconhecimento da autoria do trabalho que redigiu por faltar ao mesmo o caráter de criação intelectual. Os julgados consideram que o “ghostwriter” “apenas” redige um texto que lhe encomendam, organizando os fatos ou as ideias que lhe são narrados.Baseados na tese de Carlos Alberto Bittar, entendem que o verdadeiro autor é o encomendante, quando este dirige a atividade do profissional. O magistério de Carlos Alberto Bittar foi escrito na vigência da Lei de Direitos Autorais de 1973, que adotava uma visão mais flexível em questões de autoria e do regime da obra produzida sob encomenda. Discrepava, por exemplo, da visão de Antonio Chaves. O Art. 36 da Lei 5.988/73 estabelecia que a obra criada pelo empregado ou em função de contrato de serviços pertence a ambos em um regime de comunhão irregular porque os direitos não se repartem igualmente. Mas, a Lei não estabeleceu expressamente a coautoria apesar de afirmar de forma genérica que os direitos de autor pertencerão a ambas as partes. Mesmo assim, permitiu que na obra coletiva o produtor empresário fosse considerado coautor.Essa sistemática mudou com a atual Lei de Direitos de Autor, segundo a qual apenas a pessoa física pode ser autor. E não mais definiu o regime de comunhão dos direitos patrimoniais entre o autor e o encomendante.A jurisprudência vigente adota, no nosso modo de ver, um posicionamento bastante controvertido. Para escapar da vedação legal à alienação ou à renúncia aos direitos morais de autor, os julgados negam ao trabalho gerado pelo “ghostwriter” o caráter de criação intelectual, sob a alegação de que ele “apenas” redige um texto com base em fatos ou elementos que lhe são fornecidos.Mas, escrever um texto é uma atividade criativa e complexa tanto que o encomendante contrata alguém para executar essa tarefa, de que, geralmente, não se desincumbiria facilmente.Além disso, o tradutor, ao transpor um texto de uma língua para outra, produz criação intelectual, tratada como obra derivada. Na verdade, os julgados baseiam-se numa tese doutrinária, sustentada por Carlos Alberto Bittar, que por si é bastante controvertida, além de não ser majoritariamente aceita. MANOEL J. PEREIRA DOS SANTOSCOORDENADOR DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL DA EPD Submitted by robertak on ter, 05/02/2019 – 08:52 “Ghostwriter” é uma pessoa que escreve textos sob encomenda de terceiros, mas cuja autoria não é reconhecida quando da utilização do trabalho, que é publicado como se fosse de autoria do encomendante. Não se trata, portanto, de obra anônima, mas de cessão voluntária da autoria posto que autor anui, no contrato de encomenda ou de prestação de serviços, a não reivindicar a autoria. O Art. 667 do Código Civil de 1016 dispunha que “é suscetível de cessão o direito, que assiste ao autor, de ligar o nome a todos os seus produtos intelectuais”. Contudo, no regime da primeira Lei de Direitos Autorais (Lei Nº 5988/73), que instituiu a disciplina do Direito de Autor em substituição à denominada “propriedade literária, científica e artística” prevista no Código Civil de 1916, o direito do autor de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional, indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra, tornou-se irrenunciável e inalienável por se tratar de um direito moral de autor. A mesma regra se manteve na Lei vigente (Lei Nº 9.610/98). Portanto, modernamente, o direito de paternidade, embora possa ser convencionalmente limitado em determinadas circunstâncias, não é suscetível de renúncia nem de cessão. Também não é válido o acordo de vontades pelo qual o autor anui a que terceiro seja apresentado como autor. No entanto, são comuns os ajustes pelos quais um profissional concorda em redigir um texto sob encomenda de terceiro e em renunciar ao direito de paternidade. Como tem acontecido de o profissional pretender posteriormente reivindicar a autoria da obra, surge a questão de saber se esse direito pode ser exercido a qualquer momento não obstante o ajuste obrigacional estabelecido livremente pelas partes.Pode-se vislumbrar duas diferentes abordagens para solucionar esta questão. A primeira consiste em analisar a validade do acordo pelo qual o profissional renunciou ao direito de ter seu nome indicado ou anunciado como sendo o autor. A segunda consiste em analisar se o profissional que escreveu um trabalho sob encomenda de terceiro pode ser considerado autor desse trabalho ou se esse trabalho consiste em verdadeira obra intelectual suscetível de proteção autoral, sobre a qual recaem os direitos morais de autor. A jurisprudência brasileira teve oportunidade de analisar essa questão pelo menos em três oportunidades. O primeiro julgado sobre o tema foi proferido em 5/4/2011 na Apelação Cível N° 0181194-46.2008.8.26.0100, envolvendo a elaboração de uma biografia, no qual a 10ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmando a sentença de improcedência da demanda promovida pelo profissional redator, entendeu que o verdadeiro autor da obra é a encomendante, que forneceu ao redator todos os dados e elementos necessários para preparar a biografia, tendo o profissional apenas prestado o serviço de redação que “consistia em organizar os fatos e as estórias contadas pela apelada…” O Tribunal analisou as condições em que foi concluído o contrato de prestação de serviços, concluindo que o profissional anuiu às condições de “ghostwriter” e aplicando o princípio da boa-fé objetiva apoiado na autonomia da vontade e no consensualismo. A discussão sobre a validade da renúncia ao direito de paternidade em face da legislação de Direito de Autor ficou afastada na medida em que não se reconheceram o caráter de criação ao trabalho realizado e de autor ao profissional que o redigiu. Em sede de Recurso Especial (N° 1.387.242 – SP), a Terceira Turma decidiu em 3/2/2015 que seria inviável ao STJ examinar o conteúdo do contrato ou as provas produzidas no processo, o que seria necessário para deles extrair solução diversa com relação à extensão da cessão ou ao tipo de trabalho que o redator realizou quando da elaboração da biografia, esbarrando na vedação dos enunciados sumulares 5 e 7 do STJ.O segundo julgado foi proferido em 24/11/2016 na Apelação Cível N° 1.0570.11.000003-3/002 pela 13ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Também neste caso a redatora de uma biografia pleiteou o reconhecimento da paternidade da obra após haver assinado contrato de prestação de serviços como “ghostwriter”, mas o Tribunal, aplicando o mesmo entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, considerou que a profissional não produziu nenhuma criação intelectual suscetível de proteção autoral (“O escritor contratado para redigir biografia com base nas narrativas do contratante não produz obra amparada pelo direito autoral, estando correto o indeferimento do seu pedido para que dela conste como coautor.”)Por fim, o terceiro julgado foi proferido em 28/8/2013 na Apelação Cível, Nº 5062566-68.2012.404.7100 pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Embora a demandante não concordasse em ser designada como “ghostwriter”, a questão envolvia a utilização de artigos elaborados pela profissional sob encomenda e publicados como sendo de autoria do encomendante.Com base na lição de Carlos Alberto Bittar, segundo o qual, “em se tratando de obra dirigida, o verdadeiro autor é o encomendante, de sorte que o trabalho mecânico do elaborador nenhum direito lhe traz, a não ser à remuneração ajustada” (Carlos Alberto Bittar, Direito de autor. 3 ed., p. 42), o Tribunal manteve a decisão de primeira instância segundo a qual o profissional “não passava de mero elaborador dos artigos, atividade com a qual anuiu e pela qual recebeu a devida contraprestação pecuniária, não se tratando, pois, de trabalho gratuito.”Constata-se, das decisões acima mencionadas, que se consolidou o entendimento judicial no sentido de negar ao “ghostwriter” o reconhecimento da autoria do trabalho que redigiu por faltar ao mesmo o caráter de criação intelectual. Os julgados consideram que o “ghostwriter” “apenas” redige um texto que lhe encomendam, organizando os fatos ou as ideias que lhe são narrados.Baseados na tese de Carlos Alberto Bittar, entendem que o verdadeiro autor é o encomendante, quando este dirige a atividade do profissional. O magistério de Carlos Alberto Bittar foi escrito na vigência da Lei de Direitos Autorais de 1973, que adotava uma visão mais flexível em questões de autoria e do regime da obra produzida sob encomenda. Discrepava, por exemplo, da visão de Antonio Chaves. O Art. 36 da Lei 5.988/73 estabelecia que a obra criada pelo empregado ou em função de contrato de serviços pertence a ambos em um regime de comunhão irregular porque os direitos não se repartem igualmente. Mas, a Lei não estabeleceu expressamente a coautoria apesar de afirmar de forma genérica que os direitos de autor pertencerão a ambas as partes. Mesmo assim, permitiu que na obra coletiva o produtor empresário fosse considerado coautor.Essa sistemática mudou com a atual Lei de Direitos de Autor, segundo a qual apenas a pessoa física pode ser autor. E não mais definiu o regime de comunhão dos direitos patrimoniais entre o autor e o encomendante.A jurisprudência vigente adota, no nosso modo de ver, um posicionamento bastante controvertido. Para escapar da vedação legal à alienação ou à renúncia aos direitos morais de autor, os julgados negam ao trabalho gerado pelo “ghostwriter” o caráter de criação intelectual, sob a alegação de que ele “apenas” redige um texto com base em fatos ou elementos que lhe são fornecidos.Mas, escrever um texto é uma atividade criativa e complexa tanto que o encomendante contrata alguém para executar essa tarefa, de que, geralmente, não se desincumbiria facilmente.Além disso, o tradutor, ao transpor um texto de uma língua para outra, produz criação intelectual, tratada como obra derivada. Na verdade, os julgados baseiam-se numa tese doutrinária, sustentada por Carlos Alberto Bittar, que por si é bastante controvertida, além de não ser majoritariamente aceita. MANOEL J. PEREIRA DOS SANTOSCOORDENADOR DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL DA EPD “Ghostwriter” é uma pessoa que escreve textos sob encomenda de terceiros, mas cuja autoria não é reconhecida quando da utilização do trabalho, que é publicado como se fosse de autoria do encomendante. Não se trata, portanto, de obra anônima, mas de cessão voluntária da autoria posto que autor anui, no contrato de encomenda ou de prestação de serviços, a não reivindicar a autoria. O Art. 667 do Código Civil de 1016 dispunha que “é suscetível de cessão o direito, que assiste ao autor, de ligar o nome a todos os seus produtos intelectuais”. Contudo, no regime da primeira Lei de Direitos Autorais (Lei Nº 5988/73), que instituiu a disciplina do Direito de Autor em substituição à denominada “propriedade literária, científica e artística” prevista no Código Civil de 1916, o direito do autor de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional, indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra, tornou-se irrenunciável e inalienável por se tratar de um direito moral de autor. A mesma regra se manteve na Lei vigente (Lei Nº 9.610/98). Portanto, modernamente, o direito de paternidade, embora possa ser convencionalmente limitado em determinadas circunstâncias, não é suscetível de renúncia nem de cessão. Também não é válido o acordo de vontades pelo qual o autor anui a que terceiro seja apresentado como autor. No entanto, são comuns os ajustes pelos quais um profissional concorda em redigir um texto sob encomenda de terceiro e em renunciar ao direito de paternidade. Como tem acontecido de o profissional pretender posteriormente reivindicar a autoria da obra, surge a questão de saber se esse direito pode ser exercido a qualquer momento não obstante o ajuste obrigacional estabelecido livremente pelas partes.Pode-se vislumbrar duas diferentes abordagens para solucionar esta questão. A primeira consiste em analisar a validade do acordo pelo qual o profissional renunciou ao direito de ter seu nome indicado ou anunciado como sendo o autor. A segunda consiste em analisar se o profissional que escreveu um trabalho sob encomenda de terceiro pode ser considerado autor desse trabalho ou se esse trabalho consiste em verdadeira obra intelectual suscetível de proteção autoral, sobre a qual recaem os direitos morais de autor. A jurisprudência brasileira teve oportunidade de analisar essa questão pelo menos em três oportunidades. O primeiro julgado sobre o tema foi proferido em 5/4/2011 na Apelação Cível N° 0181194-46.2008.8.26.0100, envolvendo a elaboração de uma biografia, no qual a 10ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmando a sentença de improcedência da demanda promovida pelo profissional redator, entendeu que o verdadeiro autor da obra é a encomendante, que forneceu ao redator todos os dados e elementos necessários para preparar a biografia, tendo o profissional apenas prestado o serviço de redação que “consistia em organizar os fatos e as estórias contadas pela apelada…” O Tribunal analisou as condições em que foi concluído o contrato de prestação de serviços, concluindo que o profissional anuiu às condições de “ghostwriter” e aplicando o princípio da boa-fé objetiva apoiado na autonomia da vontade e no consensualismo. A discussão sobre a validade da renúncia ao direito de paternidade em face da legislação de Direito de Autor ficou afastada na medida em que não se reconheceram o caráter de criação ao trabalho realizado e de autor ao profissional que o redigiu. Em sede de Recurso Especial (N° 1.387.242 – SP), a Terceira Turma decidiu em 3/2/2015 que seria inviável ao STJ examinar o conteúdo do contrato ou as provas produzidas no processo, o que seria necessário para deles extrair solução diversa com relação à extensão da cessão ou ao tipo de trabalho que o redator realizou quando da elaboração da biografia, esbarrando na vedação dos enunciados sumulares 5 e 7 do STJ.O segundo julgado foi proferido em 24/11/2016 na Apelação Cível N° 1.0570.11.000003-3/002 pela 13ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Também neste caso a redatora de uma biografia pleiteou o reconhecimento da paternidade da obra após haver assinado contrato de prestação de serviços como “ghostwriter”, mas o Tribunal, aplicando o mesmo entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, considerou que a profissional não produziu nenhuma criação intelectual suscetível de proteção autoral (“O escritor contratado para redigir biografia com base nas narrativas do contratante não produz obra amparada pelo direito autoral, estando correto o indeferimento do seu pedido para que dela conste como coautor.”)Por fim, o terceiro julgado foi proferido em 28/8/2013 na Apelação Cível, Nº 5062566-68.2012.404.7100 pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Embora a demandante não concordasse em ser designada como “ghostwriter”, a questão envolvia a utilização de artigos elaborados pela profissional sob encomenda e publicados como sendo de autoria do encomendante.Com base na lição de Carlos Alberto Bittar, segundo o qual, “em se tratando de obra dirigida, o verdadeiro autor é o encomendante, de sorte que o trabalho mecânico do elaborador nenhum direito lhe traz, a não ser à remuneração ajustada” (Carlos Alberto Bittar, Direito de autor. 3 ed., p. 42), o Tribunal manteve a decisão de primeira instância segundo a qual o profissional “não passava de mero elaborador dos artigos, atividade com a qual anuiu e pela qual recebeu a devida contraprestação pecuniária, não se tratando, pois, de trabalho gratuito.”Constata-se, das decisões acima mencionadas, que se consolidou o entendimento judicial no sentido de negar ao “ghostwriter” o reconhecimento da autoria do trabalho que redigiu por faltar ao mesmo o caráter de criação intelectual. Os julgados consideram que o “ghostwriter” “apenas” redige um texto que lhe encomendam, organizando os fatos ou as ideias que lhe são narrados.Baseados na tese de Carlos Alberto Bittar, entendem que o verdadeiro autor é o encomendante, quando este dirige a atividade do profissional. O magistério de Carlos Alberto Bittar foi escrito na vigência da Lei de Direitos Autorais de 1973, que adotava uma visão mais flexível em questões de autoria e do regime da obra produzida sob encomenda. Discrepava, por exemplo, da visão de Antonio Chaves. O Art. 36 da Lei 5.988/73 estabelecia que a obra criada pelo empregado ou em função de contrato de serviços pertence a ambos em um regime de comunhão irregular porque os direitos não se repartem igualmente. Mas, a Lei não estabeleceu expressamente a coautoria apesar de afirmar de forma genérica que os direitos de autor pertencerão a ambas as partes. Mesmo assim, permitiu que na obra coletiva o produtor empresário fosse considerado coautor.Essa sistemática mudou com a atual Lei de Direitos de Autor, segundo a qual apenas a pessoa física pode ser autor. E não mais definiu o regime de comunhão dos direitos patrimoniais entre o autor e o encomendante.A jurisprudência vigente adota, no nosso modo de ver, um posicionamento bastante controvertido. Para escapar da vedação legal à alienação ou à renúncia aos direitos morais de autor, os julgados negam ao trabalho gerado pelo “ghostwriter” o caráter de criação intelectual, sob a alegação de que ele “apenas” redige um texto com base em fatos ou elementos que lhe são fornecidos.Mas, escrever um texto é uma atividade criativa e complexa tanto que o encomendante contrata alguém para executar essa tarefa, de que, geralmente, não se desincumbiria facilmente.Além disso, o tradutor, ao transpor um texto de uma língua para outra, produz criação intelectual, tratada como obra derivada. Na verdade, os julgados baseiam-se numa tese doutrinária, sustentada por Carlos Alberto Bittar, que por si é bastante controvertida, além de não ser majoritariamente aceita. MANOEL J. PEREIRA DOS SANTOSCOORDENADOR DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL DA EPD
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