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Desistência do comprador de imóvel – não existe direito absoluto de arrependimento: as ações de resolução de compromisso de compra e venda de imóveis promovidas pelos adquirentes inadimplentes

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Em razão da grave crise que assola o
Brasil, tornaram-se comuns, aos milhares, os pleitos de resolução dos
compromissos de compra e venda de imóveis promovidos por “desistentes” que, em
razão da queda do valor dos imóveis, buscam restituição daquilo que pagaram em
razão do contrato. Na verdade, com o arrefecimento do
mercado, muitos buscam, instados até por propaganda em meios de comunicação,
simples desistência do negócio, sem, entretanto, demonstrar a impossibilidade
de pagamento, o que gera grande instabilidade à segurança dos negócios
jurídicos e não encontra previsão no sistema.Não se ignora que, demonstrando a impossibilidade de
pagar, o que é fundamental, o adquirente de imóvel por compromisso de
compra e venda conta com o justo direito de buscar a resolução do contrato,
arcando com as consequências do seu inadimplemento.Neste sentido, as Súmulas 1 e 2 do
Tribunal de Justiça de São Paulo que, respectivamente, reconhecem o direito de
o inadimplente ingressar com a ação e o direito à devolução em única parcela,
sem a aplicação da cláusula considerada abusiva, de devolução dos valores em parcelas
no mesmo número que houver pago:Súmula 1: O
compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão
do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos
próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor,
assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.Súmula 2: A devolução das
quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser
feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a
aquisição. Importante salientar, entretanto, que o direito conferido ao
promitente comprador inadimplente não é absoluto.  Todavia, não é
dado ao adquirente decidir quando quer pagar e quando quer cumprir a sua
obrigação.Admitir o
contrário seria afrontar os princípios da socialidade, da eticidade e da boa-fé
que pautam os negócios jurídicos, decorram eles ou não de uma relação de
consumo (Código Civil, arts. 113 e 422 e Código de Defesa do Consumidor, art.
4º, III).Isto significa queo
promitente comprador só dispõe do direito subjetivo de buscar a resolução do
contrato, na qualidade de inadimplente, se provar que não reúne mais condições
de pagar.Deveras, se o
promitente comprador tem patrimônio, nos termos do art. 391 do Código Civil, o
seu patrimônio deve responder pelo descumprimento das obrigações (Código Civil,
art. 389) e o promitente vendedor – credor lesado pelo inadimplemento – tem a
faculdade de exigir o cumprimento, em vez de requerer a resolução do contrato
nos termos do art. 475, do Código Civil.Art. 475. A parte lesada pelo
inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o
cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.A possibilidade
jurídica de o promitente comprador inadimplente requerer a resolução, portanto,
somente existe no sistema se ele de fato não reunir mais condições para
efetivar os pagamentos.Nesta hipótese, o
promitente vendedor credor não terá a alternativa do art. 475 do Código Civil,
ou seja, não há a possibilidade de exigir o cumprimento mas, apenas, exigir a
resolução do compromisso e, diante da sua inércia, o promitente comprador
inadimplente pode requerer a resolução.Neste sentido:Tribunal de Justiça de
São Paulo. Rescisão contratual. Inadimplência do autor. Extinção
sob fundamento de ausência de possibilidade jurídica e falta de interesse
processual. Inadmissibilidade. Mesmo sendo inadimplente tem o autor o direito
de tentar obter, via judicial, a devolução (integral ou parcial) das parcelas
pagas e de ver declarado rescindido o contrato por impossibilidade de
pagamento, mesmo que arcando com as consequências do fato. Recurso provido
para se afastar a extinção, prosseguindo o feito (Apel. Cív. nº 56.419-4, São
Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado, rel. Benini Cabral, 02.09.98, v.u.).Tribunal de Justiça de
São Paulo. Contrato. Compromisso de compra e venda de imóvel.
Cláusula de arrependimento pelo comprador. Inexistência. Não corresponde à
melhor interpretação do nosso sistema legal, negar-se, o direito à ação de
resolução do contrato, a compromissário-comprador que por circunstâncias
excepcionais se torna inadimplente (Apel. Cív. nº 060.480-4, Ribeirão
Preto, 7ª Câmara de Direito Privado, rel. Oswaldo Breviglieri, 04.11.98, v.u.).O Superior Tribunal de Justiça já adotou o
entendimento que tem passado muitas vezes despercebido, segundo o qual o
inadimplente pode pleitear a resolução, desde que prove não dispor de meios para
pagar, aplicando, se não houver ocupação do imóvel (se houver, além da
perda o equivalente ao uso deve ser abatido do valor a ser restituído), a perda
de 25% do valor pago a título de pena.Eis um julgado neste sentido:STJ.
Civil. Promessa de compra e venda. Desistência. Ação pretendendo a rescisão e a
restituição das importâncias pagas. Retenção de 25% em favor da vendedora, como
ressarcimento de despesas. Código de Defesa do Consumidor, arts. 51, II, 53 e
54. Código Civil, art. 924 [atual art. 413]. I. A C. 2ª Seção do STJ, em
posição adotada por maioria, admite a possibilidade de resilição do compromisso
de compra e venda por iniciativa do devedor, SE este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento
das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel (EREsp. nº
59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 09.12.2002, p. 281). II. O
desfazimento do contrato dá ao comprador o direito à restituição das parcelas
pagas, porém não em sua integralidade. Percentual de retenção fixado para 25%.
Precedentes do STJ. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido
(REsp. 332.947/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em
24.10.2006, DJ, 11.12.2006, p. 360). Todavia, na maioria das ações que tramitam
no foro, não há um elemento sequer que demonstre que o autor desses pedidos tenha
perdido o emprego ou que não reúna mais condições para pagar o que avençou,
condições imprescindíveis para se valer da jurisprudência que admite o seu
pedido de resolução.Não existe, e disso estou convicto,
direito ao arrependimento tempos depois da contratação, sem a demonstração de
qualquer vício ou mácula do negócio que entabulou.No Estado de São Paulo não é este,
definitivamente, o alcance da Súmula 1 do Tribunal de Justiça.De mais a mais, nesta medida, admite-se a execução
das parcelas devidas.Valho-me, ainda, para a conclusão da
impossibilidade de admitir direito absoluto à desistência dos contratos, da
natureza jurídica da cláusula penal compensatória em razão de o
benefício ser do credor.Se assim o é, impossível o devedor (sujeito passivo
da obrigação) compa­recer aduzindo que prefere pagar a pena compensatória a
cumprir a obrigação (dar, fazer ou não fazer).Logo, é
importante a distinção entre a cláusula penal e a multa penitencial – pactum
displicentiae dos romanos que inspirou o sistema francês e, nesse sentido,
a lição de Robert Pothier (Traité des obligations: oeuvres complètes. Vol. II,
Paris: Langlois-Duran, 1844, n. 343). Não
existe no sistema jurídico brasileiro qualquer norma semelhante ao art. 1.152,
do Código Civil Francês, que dispõe sobre a multa penitencial (multa
poenitentialis), diferentemente do que faz com a cláusula penal (art.
1.226).No
sistema francês, a multa penitencial permite que o devedor não cumpra a
obrigação e se apresente para pagar o valor estipulado. Em outras
palavras, em razão da multa penitencial estipulada no contrato, o devedor se
libera do cumprimento pagando-a.No Brasil
há limites para imposição de pena e só encontramos previsão de cláusula penal. Se isso
não bastasse, há cristalina disposição no art. 410, do Código Civil, segundo o
qual a cláusula penal é uma alternativa
em benefício do credor e não do devedor. Sendo
assim, me parece evidente, evidentíssimo, aliás, que o devedor solvente não pode
comparecer com o intuito de pagar o valor referente à cláusula penal em
detrimento do cumprimento da obrigação. Assim, em
resumo, tratando-se de devedor solvente: a) o credor é quem
poderá escolher entre a cobrança da cláusula penal, a exigência do cumprimento
da obrigação tal qual foi convencionada com a cláusula penal moratória ou, como
demonstraremos, os prejuízos efetivamente provados; b) esse é um benefício do
credor, de tal sorte que não cabe a opção ao devedor; e, c) no nosso sistema
não existe, em regra, a multa penitencial, que, a rigor, tornaria sem efeito a
função ontológica da cláusula penal, bem como as limitações percentuais a ela
impostas (Código Civil, art. 412).De
qualquer forma, encontra-se à disposição do devedor a possibilidade de pactuar
arras penitenciais, desde que o contrato disponha de direito de arrependimento,
de forma clara, em respeito ao princípio da boa-fé, com a obrigação de o
inadimplente perder o que entregou ou devolver em dobro o que recebeu. Luiz Antonio Scavone JuniorAdvogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD. Professor Titular do Curso de Mestrado em direto da EPD, Professor de Direito Civil, Imobiliário e Arbitragem nos cursos de graduação e extensão da Universidade Presbiteriana Mackenzie, autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática. 

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