Artigo escrito pelo professor Fernando França Magri
Como é de conhecimento público, o ex-jogador de futebol Robinho, com atuações em Copas do Mundo pela Seleção Brasileira e com passagens por grandes clubes do mundo todo, entre eles Santos, Real Madrid, Milan e Manchester City, foi condenado, juntamente com seu amigo Ricardo Falco, por ter, em 2013, abusado sexualmente de uma jovem albanesa que conheceram em uma casa noturna na cidade de Milão-ITA, tendo a Justiça italiana cominado para o ex-atleta a pena de 09 anos de reclusão, pela prática do crime previsto no artigo 609 bis do Código Penal italiano. Apesar dos recursos interpostos pela Defesa de Robinho, sua condenação acabou mantida pela Corte de Cassação de Roma (equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil), tornando-se definitiva.
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público de Milão já havia pedido a extradição de Robinho e de Ricardo, mas meses atrás o Ministério da Justiça da Itália formulou pedido no mesmo sentido, uma vez que ambos se encontram residindo no Brasil, pleito esse que foi enviado oficialmente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública brasileiro, autoridade central com atribuição diplomática.
Todavia, há divergências quanto a essa questão posta pelo conflito entre o Direito Penal interno brasileiro e o comando extraído da sentença judicial italiana.
Com relação à extradição, não há dúvida de que ela se mostra inviável, por conta de proibição expressa contida na própria Constituição Federal (o Brasil não extradita brasileiros natos, conforme artigo 5º, inciso LI, da CF).
A dúvida gira, então, sobre a possibilidade ou não de se executar o cumprimento dessa pena aqui no Brasil. Nesse ponto, há dois entendimentos conflitantes.
Há quem entenda possível, bastando que essa decisão condenatória da Justiça italiana seja submetida à homologação no plano do Superior Tribunal de Justiça (ato que torna o documento, até então estrangeiro, nacional), pois a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) passou a prever expressamente tal possibilidade em seu artigo 100. Aqui há um outro ponto a ser considerado, pois o fato criminoso data do ano de 2013, quando ainda não havia sido promulgada a Lei de Migração, de forma que se abrirá uma nova discussão acerca da possibilidade de retroatividade dessa nova legislação para alcançar fatos anteriores, o que, a nosso ver, não se mostra cabível por envolver matéria penal.
Por outro lado, sustenta-se a impossibilidade de transferência da execução da pena por duas razões distintas. A primeira se apoia no fato do artigo 9º do Código Penal apenas prever a possibilidade de homologação de sentença estrangeira para fins de reparação dos danos na esfera cível e também para aplicação de medida de segurança, não fazendo menção ao cumprimento de pena. De qualquer modo, nesse ponto, o que chamamos de concurso aparente de normas poderia ser resolvido por meio de critérios de solução já existentes no Direito Penal, notadamente pela especialidade da Lei de Migração, que, assim, teria prevalência sobre o Código Penal. Já o segundo argumento, que se mostra mais forte, se concentra na análise conjunta e sistêmica da Lei de Migração com o Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal firmado entre Brasil e Itália (assinado em 1989 e promulgado por meio do Decreto nº 862/1993), eis que o artigo 100, inciso V, da Lei de Migração exige tratado ou promessa de reciprocidade entre os países e, nesse passo, o artigo 1º do Tratado dispõe expressamente, em seu item 3, que a cooperação entre Brasil e Itália não alcança a execução de condenações e nem de qualquer forma de restrição da liberdade pessoal, ou seja, não haveria tal reciprocidade, a impedir, portanto, a transferência da execução da pena para cá. Nesse sentido, Robinho só poderia ser preso caso saia do território nacional, pois, nesse caso, a Justiça italiana poderia expedir um mandado de prisão internacional, a ser cumprido por meio da Interpol (a ordem de prisão é inserida no sistema de Difusão Vermelha – Red Notice).
Por fim, há, ainda, uma terceira via hipotética para se refletir, que seria a possibilidade do Ministério Público ajuizar uma ação penal perante a Justiça brasileira se valendo dos elementos de prova colhidos no processo italiano, o que daria início a uma nova instrução processual, com a possibilidade de condenação ao final, mas jamais vimos qualquer precedente nesse sentido.
Para uma tomada de posição, pensa-se que realmente o maior entrave para a transferência da execução da pena imposta a Robinho pela Justiça Penal italiana reside na anterioridade dessa em relação à nossa Lei de Migração, pois, embora o requisito legal atinente à promessa de reciprocidade entre os dois países até possa ser ajustado por vias diplomáticas, o óbice temporal impede a aplicação da novel legislação interna, uma vez que, por tratar, nesse ponto específico, de matéria penal, não pode retroagir quando for prejudicial ao indivíduo, o que se mostra no caso em questão. Portanto, afora qualquer questão moral ou de senso de justiça, traçada uma análise dogmática e puramente técnica, enquanto permanecer em território brasileiro, Robinho não poderá ser forçado ao cumprimento de tal pena.
Não se pretende aqui esgotar essa discussão, pois é absolutamente controversa, cabendo a nós esperarmos que nossos Tribunais Superiores dediquem uma solução adequada para o caso.
Finalmente, são temáticas assim que a academia precisa debater e essa é a nossa proposta no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processual Penal da Escola Paulista de Direito – EPD, que tenho a satisfação de coordenar ao lado de um corpo docente de excelência. Como se diz, pensar dói, então, precisamos pensar de forma séria e bastante reflexiva sobre temas dotados de controvérsia, com análises casuísticas e a atenção voltada para a aplicação prática desses conhecimentos.
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