, ,

Supremo recebe pedido de detenção e entrega do atual presidente do Sudão

·

O ministro Celso de Mello pediu a manifestação da Procuradoria Geral
da República (PGR) na Petição (Pet) 4625 na qual o Tribunal Penal
Internacional (TPI) pretende que o governo brasileiro prenda e entregue
o atual presidente da República do Sudão, Omar Al Bashir, caso ele
venha para o Brasil. O despacho foi dado no dia 17 de julho último,
quando o ministro Celso de Mello substituía o presidente e o
vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministros Gilmar
Mendes e Cezar Peluso, respectivamente, que estavam em viagem oficial à
Rússia.  Esse é o primeiro pedido de detenção e entrega de presidente da
República de outro Estado soberano, em pleno exercício de seu mandato,
encaminhado pelo Tribunal Penal Internacional ao governo brasileiro.
Por essa razão, o ministro Celso de Mello ressaltou haver “alta
relevância do tema e a necessidade de discussão, por esta Suprema
Corte, de diversas questões que emanam da análise concreta deste
pleito”. Mesmo porque, há grande dúvida por parte dos doutrinadores e
juristas do ramo do Direito Internacional Público quanto à aplicação e
incorporação dos dispositivos do Estatuto de Roma – que trata da
jurisdição do TPI – ao ordenamento jurídico interno brasileiro,
principalmente quanto ao caráter supra-estatal desse organismo
judiciário; à competência do STF  para examinar este pedido de
cooperação internacional; e à compatibilidade de determinadas cláusulas
do Estatuto em face da Constituição brasileira.Al Bashir é acusado de ter cometido crimes de guerra e contra a
humanidade, tipificados nos artigos 7º e 8º, do Estatuto de Roma, de
cujo o texto o Brasil é signatário. Entrega x extradiçãoEm despacho de 19 páginas, o ministro-decano menciona várias
correntes doutrinárias que abordam aspectos específicos da legislação
brasileira comparativamente com o Estatuto de Roma e faz considerações
sobre a diferença entre os institutos jurídicos previstos no Direito
Internacional Público chamados de “entrega” (surrender, em inglês, e remise em francês) e “extradição”.Celso de Mello registrou que o próprio Estatuto de Roma estabelece
clara distinção entre os dois institutos, sendo o primeiro referente à
entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal Penal Internacional,
nos termos do Estatuto de Roma, e o segundo quanto à entrega de uma
pessoa por um Estado a outro Estado, conforme previsto em tratado,
convenção ou direito interno.“Vê-se, daí, que, embora a entrega de determinada pessoa constitua
resultado comum a ambos os institutos, considerado o contexto da
cooperação internacional na repressão aos delitos, há, dentre outros,
um elemento de relevo que os diferencia no plano conceitual, eis que a
extradição somente pode ter por autor um Estado soberano, e não
organismos internacionais, ainda que revestidos de personalidade
jurídica de Direito Internacional Público, como o Tribunal Penal
Internacional (Estatuto de Roma, Artigo 4º, n. 1)”, explicou o
ministro.  Ele lembrou que a jurisprudência da Corte é no sentido de o pedido
de extradição conferir legitimação apenas aos Estados soberanos, “que
poderão, na condição de sujeitos de Direito Internacional Público,
deduzir os respectivos pleitos extradicionais”.DespachoDe acordo com o ministro Celso de Mello, os debates pelo plenário do
Supremo sobre a matéria levantarão questões importantes, tais como: o
reconhecimento, ou não, da competência originária do STF para analisar
o assunto; a possibilidade de entrega da pessoa reclamada, ao Tribunal
Penal Internacional, pelo governo do Brasil, considerado o modelo
constitucional brasileiro tendo em vista que em alguns casos o Estatuto
de Roma admite a imposição da pena de prisão perpétua; o
reconhecimento, ou não, da recepção, do Estatuto de Roma, em sua
integralidade, pela ordem constitucional brasileira; entre outras
discussões.O ministro observou que, embora o Estatuto de Roma possibilite a
formulação, pelo Tribunal Penal Internacional, de pedido “de detenção e
entrega” de uma pessoa contra quem foi instaurado, perante esse
organismo judiciário, procedimento penal por qualquer dos crimes
referidos no artigo 5º da mencionada convenção multilateral, impende
advertir que esse pleito de cooperação internacional – considerado o
que dispõe o artigo 89, n. 1, desse mesmo Estatuto – há de ser dirigido
ao Estado “em cujo território essa pessoa possa se encontrar”, grifou.Ao pedir informações à Procuradoria Geral da República, Celso de
Mello afirmou que, conforme o Estatuto de Roma, o fato de Al Bashir ser
chefe de um Estado soberano não constituiria impedimento à detenção e
posterior entrega, pelo governo do Brasil, do referido chefe de Estado
ao Tribunal Penal Internacional, “desde que essa pessoa esteja ou venha
a ingressar em território brasileiro”, pois assim prevê o Estatuto de
Roma, que pede a cooperação de todos os Estados-signatários quanto às
decisões tomadas pelo TPI.Isso se justificaria, salienta o ministro, caso o presidente do
Sudão estivesse em território brasileiro. No entanto, pondera Celso de
Mello em seu despacho: “nem se registra a possibilidade de que venha a
nele (Brasil) ingressar”.O ministro, também, mandou oficiar os ministros da Justiça e das
Relações Exteriores sobre o teor de seu despacho e registrou, por fim,
não haver motivo para que o pedido tramite em sigilo no STF, apesar de
assim prescrever o artigo 87, n.3, do Estatuto de Roma, uma vez que é
de conhecimento geral a existência, contra o presidente da República do
Sudão, de mandado de detenção e entrega expedido por ordem do Tribunal
Penal Internacional, tendo o fato sido noticiado em inúmeros veículos
de comunicação em todo o mundo. Estatuto de Roma e Tribunal Internacional PenalO Estatuto de Roma, celebrado em 17 de julho de 1998, instituiu o
Tribunal Penal Internacional e está formalmente incorporado ao
ordenamento interno brasileiro, desde a sua promulgação pelo Decreto nº
4388/02.O pedido de cooperação internacional e auxílio judiciário foi
formulado pelo Tribunal Penal Internacional. O Estatuto confere a este
Tribunal, com sede em Haia, legitimação para pedir a qualquer Estado
detenção e entrega de uma pessoa que tenha, em tese, praticado delitos
de sua competência.O Tribunal Penal Internacional constitui organismo judiciário de
caráter permanente, com jurisdição penal tendo, portanto, poder para
processar e julgar aqueles que tenham praticado, ou tentado praticar,
delitos de extrema gravidade, com repercussão e transcendência
internacionais, como são os crimes de genocídio, de guerra, de agressão
e contra a humanidade.Com a promulgação da Emenda Constitucional 45, em 2004, o Brasil
passou a se submeter à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a
cuja criação tenha manifestado adesão (artigo 5º, parágrafo 4º, da CF).Leia a íntegra do despacho do ministro. Fonte Supremo Tribunal Federal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo