Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 19:03 Acordar
cedo para correr. Em seguida, ir ao dentista. Às 14h, participar de uma
reunião de trabalho. À noite, aula na faculdade. E uma consulta ao
relógio à espera do último compromisso do dia: um encontro com os
amigos para tomar uma cervejinha. Agora
imagine outro relógio, destinado a marcar outro ritmo: o do seu corpo.
Nessa agenda interna, as coisas mudam. Quer correr? Então calce os
tênis no início da noite, quando a força física aumenta e a
suscetibilidade à exaustão é menor. Dentista de manhã? Só por
masoquismo: à tarde, a sensibilidade à dor será menor e, caso seja
necessário usar anestesia, ela terá efeito três vezes mais duradouro. Talvez
seja bom rever o horário da reunião: por volta das 14h, o corpo pede
sono, e ficamos mais letárgicos. Quanto ao curso, uma dica: de manhã a
capacidade cognitiva aumenta e facilita a aprendizagem. Nem a tal
cerveja escapa: o fígado metaboliza melhor o álcool entre as 17h e as
18h. Esse
relógio biológico, instalado no hipotálamo e composto por inúmeros
outros relógios no corpo inteiro, é invisível. Parte dessa “agenda do
corpo” está no livro “Sex Sleep Eat Drink Dream” (Sexo dormir comer
beber sonhar), recém-lançado nos EUA e ainda sem editora no Brasil. Jennifer
Ackerman, escritora científica, avaliou pesquisas divulgadas nos
últimos anos para simular uma viagem de 24 horas pelo corpo humano. Sem
tom acadêmico, ela descreve os ciclos que regem nossa variação de
força, de memória e de saúde em função do tempo.Há
dados curiosos, como as constatações de que o nariz escorre mais de
manhã (às 8h). Mas também há informações sobre pesquisas que buscam
estabelecer o melhor horário para remédios contra o câncer. “Muitos
de nós nos vemos como criaturas cerebrais, mo-vidas principalmente pelo
que vai em nossas mentes. Mas, frequentemente, nós somos movidos pelo
que vai na parte inferior de nossos cérebros -pelos escondidos e
intrigantes altos e baixos, crises e triunfos do nosso corpo. Nós
apenas não sabemos disso”, disse Ackerman à Folha, em entrevista por
e-mail. “Nós temos pouca consciência dos ritmos sutis que nosso corpo
experimenta na pressão arterial, no nível hormonal, no apetite. Graças
a esses ritmos, há horas boas e ruins para atividades como revisar um
manuscrito ou tomar decisões.” O
contato com essas informações enquanto escrevia o livro fez com que ela
mudasse alguns hábitos. “Estou mais atenta à importância do ho-rário
nas minhas atividades quando agendo reuniões, por exemplo, e passei a
respeitar mais as necessidades do meu corpo, da prática de exercícios
até a soneca à tarde.” Esse campo de estudo, chamado cronobiologia,
“ocupa-se da organização temporal dos seres vivos”, segundo Luiz
Menna-Barreto, professor do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e
Ritmos Biológicos da USP (Universidade de São Paulo). A área contempla
os ciclos curtos, como os dos batimentos cardíacos, e os longos, como a
influência das estações do ano nas alterações de humor (a depressão é
mais comum no inverno, por exemplo). Mas os ciclos mais estudados são
os circadianos, referentes às mudanças que ocorrem ao longo de um dia. Esses
ciclos fazem parte da herança genética e estão escritos nos chamados
“clock genes” (genes-relógio). Mas os aspectos ambientais são
igualmente relevantes, especialmente a alternância entre luz e
escuridão, diz Edson Delattre, professor do Instituto de Biologia da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É a diminuição da
luminosidade no ambiente, por exemplo, que estimula a secreção da
melatonina, hormônio que induz o sono. O outro principal
“sincronizador” do funcionamento do corpo, diz Delattre, é o convívio
social, que estabelece horários para trabalho, alimentação e
exercícios. Pesquisas
mostraram que, sem a variação de luminosidade e a influência social, o
corpo passa por um processo curioso: ao depender só da carga genética,
o ciclo de sono e de fome aumenta para 25 horas. “O que faz nossos
ritmos se comprimirem em um período de 24 horas são as influências
geofísicas e sociais”, diz Delattre. O
estresse crônico também pode alterar esse ritmo, ressalta Claudio
Kater, professor de endocrinologia da Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo). Ele cita como exemplo o cortisol: produzido durante o sono,
esse hormônio atinge seu valor máximo por volta das 6h -é uma das
substâncias envolvidas no processo do despertar. Ao longo do dia, sua
concentração diminui. O estresse crônico, porém, libera jatos de
cortisol fora do horário padrão. O resultado? “Aumento da pressão,
hiperglicemia, alteração do ritmo do sono, doenças cardíacas e até
osteoporose”, afirma Kater. SaúdePor
falar em doenças, elas também seguem ciclos. As crises de asma são mais
freqüentes de madrugada, quando as passagens bronquiais têm seus
diâmetros reduzidos em 8% -para asmáticos, isso pode significar uma
redução do fluxo de ar de 25% a 60%, o que agrava os sintomas da
doença. Já
os ataques cardíacos são mais comuns de manhã, quando há uma elevação
súbita da pressão arterial. Por isso, já foram desenvolvidos remédios
para hipertensão que devem ser tomados após acordar -orientação
presente na bula.A oncologia é uma das áreas que mais estudam a
relação entre o horário de administração de um medicamento e seus
efeitos no organismo. “Há muito tempo se sabe, em experiências feitas
in vitro ou em animais, que os efeitos das drogas são diferentes
conforme o horário. Isso significa que um anticoagulante tem um efeito
de manhã e outro à noite. Na oncologia, essa percepção é reconhecida há
algum tempo e é um campo de investigação”, diz Carlos José de Andrade,
do serviço de oncologia clínica do Inca (Instituto Nacional de Câncer). Uma
das características dos tumores é que, ao contrário das outras células
do corpo, eles não seguem o ciclo circadiano. “Nosso corpo depende de
uma orquestração maravilhosa. O tumor é uma aberração desses controles,
incluindo o do tempo. Normalmente, a replicação da célula é mais
intensa em um horário do que em outro. Mas as tumorais crescem aleatoriamente.” O
problema está em como utilizar essa informação de forma prática.
Segundo Andrade, uma pesquisa divulgada em 2006 avaliou as diferenças
entre a quimioterapia tradicional e a cronomodulada em pacientes com
câncer de intestino. “Não houve diferença na sobrevida dos pacientes
como um todo. Entretanto, quando se avaliou os subgrupos, viu-se que,
nas mulheres, o efeito foi deletério. Mas, para os homens, a
cronobiologia foi benéfica. A pesquisa mostrou que ainda não
conseguimos verificar como a cronobiologia pode ser usada, mas temos de
averiguar”, diz. “Talvez o futuro seja avaliar perfis de comportamento
cronobiológico para ver quem pode se beneficiar da cronoterapia.” Como
afirma Andrade, nem todas as pessoas compartilham o mesmo ritmo -é
fácil observar isso em relação ao sono. Enquanto alguns têm um perfil
matutino, outros se sentem mais ativos à noite. Essa
variação não implica mudanças na saúde, na capacidade cognitiva nem no
sucesso profissional -ao contrário do que diz o ditado “Deus ajuda a
quem cedo madruga”, não há indicações científicas de que os matutinos
tenham qualquer tipo de vantagem. Segundo
Delattre, de 10% a 12% da população são matutinos; 8% a 10% são
vespertinos. A maioria, 80%, está numa situação intermediária. Mas
esse perfil muda ao longo da vida. Crianças e idosos tendem a ser mais
matutinos. Na adolescência, porém, há um “atraso”: os jovens sentem
necessidade de ir para a cama mais tarde. Mas esse aspecto nem sempre é
levado em consideração: os adolescentes têm de acordar cedo para ir à
escola. Em Natal, pesquisadores do Laboratório de Cronobiologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte buscam alternativas para
esse problema. Segundo a professora Carolina Azevedo, especialista em
neurociência do comportamento, uma das pesquisas feitas na instituição
atualmente avalia a reação de estudantes a três tipos de intervenção. No
primeiro grupo, eles receberam informações sobre hábitos saudáveis de
sono e aprenderam que a exposição à luz artificial, como a do
computador, atrasam o ciclo de sono e vigília. No segundo grupo, os
jovens passaram a ter a primeira aula ao ar livre. No terceiro, as
primeiras aulas foram de educação física. “Os ritmos circadianos tendem
a se adiantar com a exposição à luz solar de manhã. Além disso, a
atividade física interfere nos ritmos”, explica Azevedo. Segundo ela,
esse tipo de conhecimento é importante para a saúde. “Vários ciclos
acompanham o de sono e vigília. Quando mexemos nos horários de dormir e
de acordar, isso afeta tudo no corpo.” Ackerman
traz, em seu livro, exemplos dos efeitos de alterações no sono. Ela
cita pesquisas da Universidade de Chicago que mostram que a privação de
sono leva a falhas no processamento da glicose, altera os níveis do
hormônio da fome e afeta o sistema imunológico. Em
um desses estudos, foi avaliada a resposta à vacina da gripe em 25
voluntários sujeitos à restrição de sono. Dez dias após a vacinação, a
resposta do sistema imune dos voluntários era muito inferior à
observada em pessoas com sono normal. Além
das vantagens do sono noturno, a autora também elogia a sesta. E
escreve: “Se nós morássemos no Brasil ou no Panamá, poderíamos ir para
casa para uma sesta. Mas nós não temos essa tradição civilizada, então
lutamos contra o estupor”. Bem, nós também não temos a sesta, Jennifer.
Mas essa seria uma boa idéia. COAGULAÇÃO>> Para evitar sangramentos, é melhor se barbear às 8h, quando as
plaquetas, que levam à coagulação sangüínea, são mais abundantes do que
nas outras horas do dia -o que também ajuda a entender por que ataques
cardíacos têm seu pico nesse horário FERTILIZAÇÃO>> Nos homens, os níveis de testosterona atingem seu ápice às 8h,
horário em que eles estão mais estimulados para a atividade sexual. Já
o sêmen tem maior qualidade à tarde, com 35 milhões de vezes mais
espermatozóides do que de manhã DOR>> Vá ao dentista à tarde, quando a sensibilidade à dor nos
dentes é menor. Além disso, a anestesia aplicada em procedimentos
odontológicos dura mais à tarde do que de manhã: o efeito da lidocaína
é três vezes maior quando ela é aplicada entre as 13h e as 15h SONOLÊNCIA>> Ondas de sono nos atingem a cada 1h30 ou 2h, algo ainda mais
forte em pessoas vespertinas, segundo Mary Carskadon, da Brown
University. Uma delas ocorre à tarde -estudos mostram que acidentes de
trânsito causados por fadiga são mais comuns entre a 1h e as 4h e entre
as 13h e as 16h. Um motorista tem três vezes mais chance de cair no
sono às 16h do que às 7h ÁLCOOL>> Beba aquela cerveja ou vinho entre as 17h e as 18h, quando o
fígado é mais eficiente na desintoxicação do organismo. Em um estudo
feito com 20 homens, aqueles que beberam vodca às 9h tiveram um
desempenho pior em testes de velocidade de reação e funcionamento
psicológico do que os que receberam a mesma dose às 18h CALOR>> A temperatura do corpo atinge seu ápice no fim da tarde.
Pesquisadores de Harvard e da Universidade de Pittsburgh relacionaram a
elevação da temperatura a uma maior capacidade de memória, atenção
visual, destreza e velocidade de reação EXERCÍCIOS>> Exercite-se no fim da tarde, quando a percepção da exaustão é
menor, as juntas estão mais flexíveis e as vias aéreas, mais abertas. O
corpo esquenta e, a cada 1oC de elevação, há uma aumento de dez batidas
cardíacas por minuto. Além disso, é possível ter um ganho de massa
muscular 20% maior do que de manhã. A manhã é mais propícia a
exercícios que exijam equilíbrio e acuidade CONCENTRAÇÃO>> Pesquisas de Lynn Hasher, da Universidade de Toronto, e
Cynthia May, do College of Charleston, sugerem que jovens adultos se
distraem mais facilmente de manhã -quando são mais propensos a soluções
criativas. À tarde, ficam mais concentrados e ignoram dados
irrelevantes. Já adultos mais velhos são concentrados de manhã e
vulneráveis à distração à tarde ALERGIA>> Segundo Michael Smolensky, cronobiologista da Universidade do
Texas, a resposta da pele a alérgenos como poeira e pólen é mais
acentuada à noite MEMÓRIA>> Ainda segundo Hasher, a memória dos idosos diminui ao longo do
dia. De manhã, eles esquecem, em média, cinco fatos. À tarde, cerca de
14. Jovens adultos tendem a ser mais esquecidos de manhã CÂNCER>> A oncologia é uma das áreas com mais estudos em busca da
relação entre o horário e a aplicação de medicamentos. Enquanto as
células normais seguem um ciclo previsível de divisão celular, as dos
tumores se multiplicam aleatoriamente. Fonte DCI
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